Toda necessidade gera um espaço de oportunidades no mercado. Com a questão da gestão de absenteísmo e os atestados médicos, isso não é diferente. Esse cenário lida tanto com a questão de execução de erros por desinformação quanto com as fraudes. Nesse sentido, os diferentes atores estão se movimentando para alcançar uma gestão mais eficaz e uma maior acurácia no processo.
Parte desse desafio foi abraçado pela Closecare, empresa investida da Green Rock. Em entrevista, André Camargo, CEO da HRtech, conta um pouco sobre o funcionamento e o valor da gestão de atestados médicos, além de como a empresa consegue abarcar uma ponta desse cenário latente das fraudes na saúde.
Qual gap vocês enxergaram?
Bom, a Closecare começou comigo, com o Petrus e com o Fábio. Nós já tínhamos começado um negócio lá atrás e decidimos empreender novamente com um negócio B2B. Resolvemos investigar problemas recorrentes em setores diferentes ali dentro do RH, mas que estivessem relacionados à saúde do trabalhador. Acho que esse era o grande ponto para começar: focar em como era feita a gestão de saúde corporativa e como as empresas estavam tratando as pessoas que estavam doentes. Esse foi o ponto de largada.
Nós começamos a entrevistar os RHs e descobrimos problemas que não conhecíamos. Por exemplo: “eu tenho muito problema para fechar a minha folha, porque o atestado não chega” ou “nós temos um excesso de atestados em determinadas fábricas”. Ali nós fomos investigar o que era o atestado e descobrimos que dentro desse documento tinha um indicativo de quem que estava doente, qual doença o funcionário tinha, coisa que ninguém sabe dentro da cadeia de saúde. Acho que tudo isso começa lá em 2018.
Como vocês veem essa questão da fraude?
Fraude é um ponto específico dentro do atestado. Os problemas dele são um pouco mais amplos, coisa que ninguém sabia, nem mesmo nós. É o seguinte: você tem regras na CLT, regras nas convenções coletivas que são os acordos com sindicato, que determinaram os atestados que devem ou não ser aceitos.
O que isso quer dizer? O atestado tem que ser, por exemplo, um documento carimbado por médico ou dentista. Se for de nutricionista, de psicólogo, de fisioterapeuta, a empresa não precisa aceitar. Em muitas convenções coletivas, o atestado tem que ser entregue dentro de um prazo. O sindicato determina, por exemplo, que um funcionário tem 48 horas para entregar o documento. Se extrapolar esse período, a empresa pode recusar.
São várias regras. Nós fomos descobrir isso com o passar do tempo, só que nenhum cliente sabia. Além disso, elas também variam. Então, por exemplo, a regra de São Paulo é diferente da regra no Rio de Janeiro. Nesse cenário, havia uma grande alavanca de geração de valor para os clientes e a fraude é um subconjunto desses atestados recusados. Hoje, 14% dos atestados em média estão fora dessas regras da empresa. Um pedaço desses 14%, talvez algo próximo de 20%, são fraudes, o que engloba atestado rasurado, por exemplo. Então, muitos funcionários acabam rasurando atestado, passando o corretivo e mudando as datas; muitos entregam atestados, por exemplo, com o nome que não é deles, com CRM que não existe, etc. Então, esses todos são motivos de fraude que apontamos para o RH e então eles dão a tratativa que bem entenderem como a melhor.
Vocês conseguem mensurar o impacto disso?
Sim! Como fazemos a conta? Cada atestado tem um tempo de duração. Então, o atestado de uma pessoa tem dois dias e o da outra tem três. Quando eu recuso o atestado dessa segunda pessoa, por exemplo, são três dias que a empresa deixa de abonar para o funcionário. Ou seja, a empresa desconta do funcionário, porque a falta não foi justificada. Então, por exemplo, o dia dessa pessoa custa 20 reais. O quanto economizou seria 20 x 3, é mais ou menos essa a ideia.
Você consegue contar os principais tipos de fraude que são mais comuns vocês verem nos atestados?
O mais comum é o CRM que não existe, o carimbo de um médico que não existe. Outra coisa é rasura: então, em um atestado de 3 dias, a pessoa coloca um “zero” do lado e se torna um atestado de 30 dias. Isso também acontece bastante. Um terceiro ponto foram os atestados digitais com a telemedicina. O que começou a acontecer foi a falsificação de atestado pelo Word. A pessoa coloca um cabeçalho e um QR Code qualquer. Uma vez pegamos um QR Code que direcionava para uma página de e-commerce de fraldas. Os funcionários foram demitidos.
Esses são os tipos mais comuns de motivos de justa causa. Nós não damos a justa causa e nem dizemos isso para o cliente, apenas apontamos os problemas. Normalmente o cliente aprova o atestado para ter mais um um argumento de que foi prejudicado, e depois ele dá a justa causa.
Quando vocês estavam estudando, chegaram a ver como funciona essa parte de fraude em mercados internacionais? Qual o estágio do Brasil?
Essa é uma boa pergunta. Não tem quase nada de dados internacionais, porque normalmente são documentos físicos e que são transacionais. Não temos muitos dados a respeito disso. O que sabemos do mercado internacional veio de clientes. Eu já escutei que a “Atento”, que é o maior call center do mundo, indicou que é um problema muito recorrente na Turquia, em países emergentes e países com legislação trabalhista mais firme. Então, eles já me citaram isso. A incidência é bem clara nas operações da América Latina e basicamente é o mesmo funcionamento.Você tem condições de justificativa de ausência e o que muda são os serviços sociais.
Por fim, saiu um artigo, há uns 40 dias, do Battery Ventures, em que eles falaram muito sobre esse problema nos Estados Unidos, porque lá não tinha muito isso. Como, em geral, as pessoas recebem lá por hora trabalhada/ dia trabalhado, se a pessoa faltou, não recebeu. O que começou a acontecer é que as leis trabalhistas, com a Covid-19, trouxeram mais proteção ao trabalhador e houve um estreitamento dessa questão da licença remunerada. A partir daí, começaram a haver problemas com isso também. No artigo, eles relatam um pouco sobre essas burocracias que surgiram pós-covid.
E a Closecare tem alguma referência de empresa que serviu de benchmark?
Então, para a gestão do atestado do absenteísmo, não. Só que essa é apenas uma porta de entrada para nós. Quanto à gestão automatizada de documentos, temos algumas referências. Começamos com os atestados, mas pegamos mais de 30 tipos diferentes de documentos e estamos indo para outras frentes, como, por exemplo, documento de saúde ocupacional, que é atuando nessa validação em cima de regras pré-estabelecidas. Para isso, temos benchmarks, mas que não são de gestão de absenteísmo propriamente dito.
Como você mesmo disse, boa parte das vezes o que ocorre não é exatamente uma fraude, mas sim uma falta de instrução. Como a Closecare enxerga isso e está direcionando essa parte de instrução não só para os atestados, mas também para outros documentos?
Esse ponto é super interessante. Como você disse, nem tudo é fraude. Às vezes, o médico carimbou errado. A empresa não é obrigada a aceitar e o trabalhador tem que ir no posto de saúde para pegar o carimbo correto. O que isso quer dizer? Eu acho que temos um caminho longo de relacionamento com os stakeholders para podermos melhorar isso e não prejudicarmos o trabalhador.
O mercado precisa se desenvolver em cima dessas regras. A clínica tem que saber que ela precisa emitir com cabeçalho certo, que o médico tem que carimbar direito e não pode ser carimbo da recepção. Então, acho que existe um caminho de amadurecimento que parte pelas clínicas, médicos e sindicatos. Esse é o ponto número um.
Para outros documentos, o grande ponto que eu vejo é que tudo é muito manual. Nós fomos em uma rede de supermercados que é nosso cliente e eles nos mostraram três caixas enormes com documentos físicos que eles tinham que digitar. Então, assim, o problema é muito grande. Tem muito documento físico e perde-se muitos prazos e registros de transações passadas. Acho que tem muita ingerência por causa do fluxo de gestão atual.
Como você disse, é muito manual. Como é o processo para mostrar o valor dessa gestão de documentos e atestados? Isso é facilmente reconhecido?
Eu vou quebrar essa resposta em duas. Em geral, para a “persona” do diretor da empresa, não é uma dor explícita a gestão de documentos. Já para a pessoa envolvida na ponta, é uma dor muito mais clara. Como eu trago o gestor para que ele veja que essa dor é latente para ele também? Quando eu mostro que ele tem uma oportunidade de reduzir 14% do absenteísmo dele com um investimento em uma plataforma que entrega pelo menos quatro vezes de ROI. É preciso mostrar que não é simplesmente uma diminuição de trabalho operacional da ponta, mas sim que estamos assumindo e tomando conta de uma questão relevante. Com isso, eu tenho a atenção desse gestor e consigo escalar o projeto.
Para finalizar, o que você pode compartilhar em relação aos próximos passos da Closecare?
Bom, acho que o grande ponto é que estamos saindo da concepção de uma ferramenta especializada e estamos ampliando o foco para tornarmos essa inteligência que trouxemos em relação ao atestado de forma muito mais abrangente para outros tipos de documento. Isso é muito “gamechanger”. Entramos pelo RH e começamos a dar a mão para outras áreas que são tão importantes quanto, como operações, compras, marketing, etc. Estamos lançando agora o primeiro documento fora dessa realidade do atestado, que são os atestados de saúde ocupacional. Tivemos que mudar toda a arquitetura para isso. Então isso já é um pequeno passo na história da Closecare.