Insights

A emergência e o impacto das healthtechs na saúde latino-americana

A pandemia impulsionou a inovação na saúde da América Latina, a qual tem sido liderada pelas healthtechs, com destaque para Brasil e México.

Paola Costa
4 minutos

Antes de adentrar a saúde em si, não podemos deixar de pontuar que o conceito de América Latina é uma construção histórica, representando a porção de países localizados na América do Sul e na América Central, além do México – ainda que existam debates a respeito dessa inclusão -, o qual geograficamente faz parte da América do Norte. Apesar dos elementos comuns a esses países que fazem parte da chamada América Latina, eles apresentam diferentes estágios de desenvolvimento, o que se reflete na maturidade do mercado da saúde e das healthtechs em cada país.  

Quando falamos na expansão das healthtechs na América Latina, é atribuída à pandemia uma grande influência nesse processo. Segundo o Latin America Reports, das 7 milhões de pessoas que perderam a vida por conta da COVID-19, 42,5% estavam na região das Américas. Esse cenário de tragédia alavancou muitas inovações e avanços tecnológicos na saúde, vários deles liderados pelas healthtechs.

No entanto, é necessário ressaltar que as demandas sobre a saúde na região não surgiram necessariamente com a pandemia: elas estão ligadas a problemas estruturais nos sistemas de saúde dos países latino-americanos. Nesse sentido, os crescentes investimentos sobre startups de tecnologias de saúde na região se dão pelo retorno que eles conseguem, uma vez que essas healthtechs passam a solucionar dores antigas e latentes das populações na América Latina.

Em números, o fundraising de empresas de saúde cresceu em 4.700% entre os anos de 2015 e 2021. Além disso, em 2021 a captação das healthtechs latino-americanas foi quatro vezes superior à de 2020. Ainda, o Latin America Reports também trouxe projeções do Oxford Business Group que indicam que até 2026 o mercado de tecnologias de saúde da América Latina pode chegar a um total de US$ 5,6 bilhões.

Desafios das healthtechs na América Latina e da saúde como um todo

De acordo com o LatAm Tech Report 2022, alguns dos principais desafios na América Latina são a infraestrutura do setor, retenção de talentos, privacidade dos dados e as questões regulatórias. Quanto aos dados, por exemplo, o relatório ressalta que para construção das soluções e melhoria dos produtos e serviços, por exemplo, as healthtechs precisam coletar muitas informações, o que é um tema sempre debatido por inúmeros fatores, entre eles a questão da privacidade dos dados de saúde.

Já o “Panorama da Saúde: América Latina e Caribe 2023”, realizado pela OCDE, apresenta outros desafios de saúde que a população enfrenta na região e que precisam ser endereçados. Além das questões de acesso, ineficiência e infraestrutura, o relatório ressalta desafios ligados a tendências demográficas – como o envelhecimento da população – que trazem um alerta para novas demandas sobre o setor. Destaca-se, por exemplo, que há uma necessidade de investimento contínuo na capacidade da atenção primária na América Latina para diminuir desperdícios e se preparar para a incidência crescente de doenças crônicas com o envelhecimento.

Apesar desses desafios comuns, conforme mencionado no início, os países latino-americanos possuem diferentes níveis de desenvolvimento e estruturas distintas no que diz respeito à saúde. Como já possuímos maior familiaridade com os desafios específicos da saúde brasileira sobre os quais as healthtechs se debruçam, vale destacar algumas particularidades do cenário mexicano, dada a expansão das startups nesse mercado. Segundo o relatório da OCDE, quanto ao desempenho na pandemia, o México apresentou o terceiro maior número de mortes. Esse índice foi atribuído a prevalência de fatores de risco como as doenças crônicas e a obesidade, mas também devido ao desafio de uma assistência fragmentada e a extinção Seguro Popular em torno da implementação de um novo programa universal na saúde.

O crescimento mexicano e as tendências das healthtechs na América Latina

Diante dessa conjuntura, as startups de saúde ganham espaço. Segundo um estudo de 2022 da HolonIQ, o Brasil realmente está à frente desse movimento das healthtechs na América Latina, mas o México também vem ganhando espaço. Na lista anual da HolonIQ com as 50 healthtechs mais promissores da América Latina, 52% delas são brasileiras, 24% do México, 10% da Argentina e 6% do Chile. Vale ressaltar que no ano anterior as startups brasileiras ocuparam dois terços da lista, enquanto as mexicanas representavam 14% do total, mostrando um fortalecimento desse ecossistema no México.

O estudo também indica que negócios voltados para consultas virtuais e prestação de serviços em domicílio se mantêm fortes na região da América Latina, o que é atribuído ao legado da pandemia. A telemedicina, por exemplo, fez pressão regulatória e se tornou uma realidade comum. Dentro da esfera do oferecimento de serviços nos lares, a HolonIQ destaca, por exemplo, a healthtech brasileira ISA LAB – com vacinação nas residências – e a chilena Examedi – com testes de saúde no ambiente domiciliar. Uma mudança observada foi que, em 2021, mais de um quarto da lista era constituída por healthtechs focadas em sistemas de saúde, como registros de saúde eletrônicos, enquanto em 2022 esse percentual caiu para 10%.

Outro ponto destacado é que 90% das startups mencionadas no estudo são muito jovens, apresentando menos de seis anos. Ainda, 40% delas foi fundada nos últimos três anos, refletindo o impacto da pandemia nessa expansão. Por fim, a HolonIQ salienta, como mais uma possível tendência a ser observada, que os modelos B2B aumentaram no último ano, mas que aqueles focados no consumidor ainda representam a maioria das healthtechs selecionadas na lista de 2022.

Rota da Seda da Saúde no Brasil?

Por fim, sendo o Brasil o maior mercado latino-americano, vale destacar alguns pontos colocados em um estudo recente da PWC, o “Brasil na Rota da Seda da Saúde”. Em suma, ainda que o mercado de saúde brasileiro tenha muitas oportunidades, ainda há uma reticência quanto à entrada de investimentos e inovação por diversos fatores, como a dependência de insumos, questões regulatórias, ausência de integração entre os sistemas de saúde, etc.

Nesse sentido, o estudo reitera a importância de parcerias com outros países em torno de comércio e transferência tecnológica, destacando a China como um ator que pode contribuir com a evolução do setor de saúde brasileiro. Em 2020, por exemplo, já foi estabelecida uma parceria entre Brasil e China em torno de vacinas: o Instituto Butantan, em acordo com a Sinovac Biotech, desenvolveu e testou a CoronaVac.

Nessa concepção de uma Rota da Seda da Saúde no Brasil, o estudo enfatiza como oportunidade o fortalecimento de pesquisas conjuntas voltadas para a área de vacinas e  transferência tecnológica, indicando que a China pode ajudar o Brasil a se estabelecer como um hub de produção de vacinas. No entanto, existem diversos desafios, os quais vão desde a carga tributária – que é uma das mais altas do mundo, dificultando o investimento no setor – até a forte dependência para importar medicamentos e insumos.