Investidas

Denis Cruz sobre acesso à saúde: “Existem discrepâncias regionais importantes"

Denis Cruz, CEO da SIMCo, que está no meio do mercado de clínicas populares, compartilha sua visão sobre esse cenário.

Paola Costa
6 minutos

A crise da saúde no Brasil não é mais uma novidade. Nesse cenário, a questão do acesso à saúde, que sempre foi um problema central, se torna ainda mais aguda. Contudo, toda crise faz pressão para um caminho de mudanças e inovação, de forma que o mercado tenta responder – ainda que parcialmente – a essa demanda. Uma dessas empresas que resolveu abraçar o desafio do acesso à saúde é a SIMCo, investida da Green Rock. Seu fundador e CEO, Denis Cruz, compartilhou um pouco das suas perspectivas sobre essa conjuntura em entrevista exclusiva.

Confira abaixo os principais trechos.  

Qual a história da Clínica SIM e que gap de mercado vocês enxergaram?

Antes da criação da Clínica SIM, trabalhei por seis anos em um hospital geral que atendia planos de saúde. Quando chegava um paciente beneficiário de plano de saúde, era nítido que essa pessoa tinha melhores condições financeiras, ela passava a carteirinha do convênio e o hospital recebia algo em torno de R$ 100 pela consulta e R$ 50 pelo Raio-X. Enquanto isso, quando era uma pessoa que não tinha plano, em geral ela tinha uma origem mais humilde e pagava R$ 400 pelo mesmo serviço. Isso é uma realidade no mundo inteiro. Resumo isso como se fosse um “Robin Hood às avessas”, porque o modelo funciona dessa forma. Eu comecei a pesquisar, mas na época esse mercado de clínicas populares ainda não existia. Sabe-se que, no Brasil, dentro do total de 200 milhões de pessoas, só 25% têm plano de saúde, mas isso é uma média do país inteiro. Quando olhamos para o Sudeste, há uma cobertura mais perto de 35%. Se vamos para o Nordeste do Brasil, a cobertura é de 15%, enquanto que no Norte é de 10%. Ou seja, existem discrepâncias regionais muito importantes que nem sempre são vistas. Então eu percebi que havia ali uma oportunidade para esse público. Mas criar esse negócio foi bem complexo porque não havia um modelo de comparação lá fora. Tudo aconteceu na base de “acertos e erros”.

A proposta de começar pelo Norte e Nordeste foi pela questão do tamanho da população beneficiária de planos de saúde ou tem algum outro ponto?

Sim, mas também tinha o ponto de que eu morava lá, o que tornava tudo mais natural. Então nós começamos em Fortaleza e aos poucos conseguimos entender bem as regiões Norte e Nordeste do país. Quando você olha nos Estados Unidos, não há uma rede que domina o país inteiro. Existe, às vezes, uma rede que é muito forte na costa oeste, outra forte na costa leste, e assim por diante. A saúde é um negócio muito grande e complexo, então é difícil que vejamos uma empresa que domina 80% do mercado. Geralmente precisamos de um entendimento regional importante para construir confiança com as pessoas e médicos.

Qual o tamanho dessa população que não é beneficiária, mas que tem uma renda permissiva para clínicas populares?

Consigo afirmar que na Clínica SIM nossos clientes são B2, C1 e C2. Nos atendimentos de odontologia, eles tendem a ser mais B2. Nossas clínicas estão em shoppings ao lado de lojas populares. Nós nos colocamos dentro desse posicionamento que nos Estados Unidos é denominado “retail clinics”, com essa ideia de varejo, para ter mais visibilidade e ser mais acessível. Historicamente nós não conseguimos encontrar um modelo que se consolidasse atendendo as classes D e E. Tinha um dado que eu olhava há uns 10 anos que apontava que em torno de ⅔  da classe C não tinha plano de saúde. Muitas dessas pessoas já estão pagando a prestação de casa própria, de um carro ou uma faculdade para os filhos, então a saúde acaba sendo acessada através do SUS, e quando elas precisam de alguma coisa vão em uma clínica popular de confiança.

Acesso é um dos maiores desafios da saúde hoje. Como você avalia que o setor público e o mercado respondem a esse desafio hoje?

Eu sou um grande defensor do SUS. Nós temos que ter orgulho desse sistema, é um desafio muito grande e tem muita coisa que o SUS faz bem. Na minha opinião, onde o SUS não atende tão bem é no cuidado secundário. Por exemplo, se uma pessoa tem uma mancha na pele e vai ao posto de saúde, o médico recomenda uma biópsia, só que o agendamento disso demora às vezes um ano. Isso é algo que não dá para esperar se for um câncer de pele. Existe também uma comunicação muito quebrada. Às vezes os médicos faltam por necessidades da vida, como um filho doente, só que as pessoas que agendaram esses atendimentos não sabem disso. Quando a consulta é finalmente feita, a pessoa tem uma série de exames para fazer e às vezes cada um deve ser feito em um local. Em resumo, a navegação desse cuidado secundário é muito complexa. Por isso que na clínica SIM nós prezamos muito pela velocidade entre a necessidade do especialista e a entrega da consulta. Após a consulta, muitas vezes a pessoa já consegue fazer os exames no mesmo dia, parcelando em cinco vezes. Além disso, o  médico não é remunerado por exame prescrito, então só vai prescrever aquilo que o paciente realmente precisa e nós entregamos isso com muita velocidade. Se o médico não puder ir no dia marcado, nós sempre remarcamos com velocidade. Então, o SUS é um sistema realmente formidável, mas ele não se comunica bem com as pessoas na jornada de cuidado delas.

Como é possível entregar uma jornada de saúde com um custo acessível, como nas clínicas populares?

Quando o plano de saúde contrata um hospital ou uma clínica, ele traz volume para esse  prestador de serviços, então ele quer pagar por um preço com desconto. É o que falei no início: uma consulta para quem tem plano é uma fração do valor particular, os planos têm esse poder de barganha. O que nós fazemos é cobrar do paciente aquele valor que o convênio paga, então o médico acaba tendo uma remuneração muito em par com que ele recebe atendendo convênio. Nós entendemos que o médico é um profissional que valoriza muito ter várias fontes de receitas, então ele faz um plantão às terças-feiras, faz visitas no hospital na quarta-feira, enquanto na quinta-feira  é concursado de uma prefeitura, às vezes tem seu consultório próprio. Então, em resumo, para o médico, nós somos mais  uma fonte de renda para ele acessar um público que diretamente não conseguiria no seu consultório através do plano de saúde. Essa é a lógica.

A renda é um grande limitador, mas existem outros. Boa parte da população não se planeja e não tem essa cabeça voltada para a prevenção, é uma questão cultural. Queria que você comentasse um pouco sobre esses limitadores.

Falamos sobre a renda como um fator limitador de cuidado. Em todo marketplace, o foco é sempre primeiro na oferta. No nosso caso não é diferente. Então precisamos construir para o médico uma proposta de valor que valha a pena. Se não tivermos uma máquina de  aquisição de pacientes, não consigo preencher adequadamente a agenda daquele médico. Um grande limitador é a oferta. Quando fomos com as clínicas populares, por exemplo, para cidades mais distantes da região metropolitana, falhamos. Isso ocorreu porque o profissional médico não mora lá, então ele precisa ter um deslocamento importante. Ainda, ele chega lá com uma expectativa de ter uma remuneração mais alta do que teria dentro da capital, sendo que quando você se afasta mais, a tendência é que as regiões sejam menos favorecidas. Então encontramos ali uma falha de mercado, porque a oferta queria receber bem mais e a demanda tinha menos capacidade de pagamento. Então, para mim, o primeiro ponto é essa questão de cumprir com a oferta da maneira certa. Segundo, existe a questão dos hábitos da população. Nós mesmos que tivemos muitos privilégios e oportunidades muitas vezes não estamos fazendo exercícios o suficiente ou temos os melhores hábitos. Então é difícil ter essa cultura de prevenção. Temos um longo caminho a percorrer. O nosso maior concorrente não é o SUS, o nosso maior concorrente é o “não tratamento”. Quanto melhor o SUS for, melhor para todos, porque vamos ter um diagnóstico mais cedo e vamos ter mais recursos alocados na atenção primária e secundária para diagnosticar, tratar e evitar o evento catastrófico na atenção terciária. Então eu vejo o SUS como um grande aliado.

É comum aquele paciente que usa um pouco de SUS e um pouco das clínicas populares para compensar o que, às vezes, está ruim no atendimento público?

Sim, temos vários tipos de pacientes. Vemos pacientes bem fiéis que estão sempre conosco. Quando tem uma pessoa de classe B e C que vem pra uma das nossas clínicas, essa pessoa está abrindo um espaço no SUS para uma pessoa menos favorecida, o que nos deixa muito felizes. Também vemos bastante o paciente que navega entre nós e o SUS. E ainda tem o paciente que é beneficiário de planos de saúde mais massificados. Às vezes essa pessoa foi em uma consulta e quer uma segunda opinião, o que pode demorar para conseguir, então ela marca na Clínica SIM e obtém isso rapidamente.

Qual a sua perspectiva para os próximos anos dentro desse mercado de clínicas populares?

Vamos continuar ampliando acesso com as clínicas, ainda tem muito o que ser feito. Com a pandemia nós lançamos o pronto atendimento virtual e fazemos em torno de 2.500 atendimentos por mês. Então essa questão da jornada digital integrando com o presencial vai ser chave. Vemos muito isso, seja como o primeiro atendimento, como uma triagem, antes da consulta presencial em si, como um atendimento de follow-up. Vivendo no Norte/Nordeste do Brasil, entendo que o digital está muito longe de substituir o presencial. Eu vejo ele como um complemento. Acho que temos um desafio muito grande com o envelhecimento da população e o aumento das doenças crônicas. Vamos ter que trabalhar bastante para encontrar uma forma de tratar as pessoas, lidar com esses custos e essa necessidade de tratamento que vai naturalmente aumentar. Eu penso bastante sobre a situação dos planos de saúde e os altos reajustes. Não queremos uma sobrecarga do SUS e nem das clínicas populares. Precisamos de uma harmonia nesse setor.  

A clínica SIM tem uma empresa de referência, seja lá de fora, que serviu de benchmark?

Não vejo uma empresa que faz exatamente igual ao que fazemos, mas eu acho que tem muitas empresas que fazem coisas muito interessantes. Eu gosto muito da atuação do Dr. Consulta em São Paulo, agora com uma pegada mais de operadora de saúde. Admiro bastante eles. Lá fora tem uma rede que eu admiro também que é a One Medical, que foi adquirida pela Amazon recentemente. Eles fazem essa questão do digital complementando o presencial de uma maneira fantástica.

Que dica você daria para futuros empreendedores dentro da Saúde?

A saúde é muito grande. Minha dica seria: especialize-se! Se você quer resolver uma dor em saúde, deve adentrar no subgrupo do subgrupo. Se você se especializar e entender a fundo uma condição específica, as chances de você encontrar o seu caminho e criar uma proposta de valor que se sustente aumenta exponencialmente.