De acordo com o artigo “As perspectivas da desospitalização no Brasil e a assistência humanizada como coadjuvante neste processo: uma revisão de literatura” do Boletim Técnico do Senac, o conceito de desospitalização se refere a “saída do paciente do ambiente hospitalar para continuar recebendo cuidados necessários à saúde em outro ambiente de forma segura, por meio de processos assistenciais estruturados e eficientes, reduzindo diretamente o tempo de internação hospitalar”.
A ANS indica que a desospitalização pode ser aplicada em adultos com doenças crônicas não transmissíveis, adolescentes, crianças e usuários em cuidados paliativos. Para que haja essa desospitalização, é necessário que o usuário demonstre uma determinada estabilidade clínica e não precise de atendimento médico intensivo. Um dos grandes benefícios em torno dessa estratégia, segundo o artigo, é a redução do risco de infecção hospitalar. Além disso, segundo relatório de 2020 do Ministério da Saúde, o investimento em uma desospitalização planejada ajuda a reduzir as readmissões hospitalares e a sobrecarga dos serviços emergenciais, o que leva a uma diminuição de custos. Na Inglaterra, por exemplo, em torno de 35% das internações são avaliadas como admissões de urgência, o que ocasiona um custo de 11 bilhões de libras anualmente.
Ainda, o Brasil vem passando por uma transição demográfica nas últimas décadas marcada pela redução da taxa de fecundidade e pelo envelhecimento populacional. Nesse sentido, segundo o Plano de Dant (Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis no Brasil, 2021-2030) da ANS, publicado em 2022, o país vive uma transição epidemiológica caracterizada pelo aumento de doenças crônicas, as quais ocuparam a primeira posição como causa de óbito de 30 a 69 anos e registraram um gasto de 8,8 bilhões com internações. O artigo do Boletim Técnico do Senac indica que, mediante esse cenário das doenças crônicas e também do aumento da expectativa de vida, a desospitalização vem se mostrando como uma saída para os serviços de saúde, incluindo os hospitais de transição e a atenção domiciliar (ou home care).
Hospitais de transição
Como já mencionado na entrevista com o Alexandre Santini, eles são muito indicados em casos de reabilitação física ou cognitiva após quadros agudos, doenças crônicas, idosos ou no fim da vida. Entende-se que, muitas vezes, quando um paciente recebe alta do hospital depois de um quadro grave, ele ainda precisa passar por um plano de recuperação antes de voltar para casa. Isso reduz o risco de reinternações e possíveis complicações.
Segundo a Associação Brasileira de Hospitais e Clínicas de Transição (ABRAHCT), esse modelo dos hospitais de transição tem ganhado espaço no Brasil, havendo uma relação de 13 leitos de transição para cada 1.000 leitos de cuidados agudos no âmbito privado. Contudo, ainda não há nada semelhante a isso no SUS.
A ABRAHCT enfatiza que a pandemia contribuiu para demonstrar a relevância desse modelo. Esses hospitais proporcionam o suporte necessário para o paciente pós-Covid que apresenta sequelas, precisa de reabilitação e não está tão pronto para voltar para sua casa. Ainda, os hospitais gerais são focados no paciente agudo, e não naquele que precisa de reabilitação, havendo esse espaço a ser preenchido para os hospitais de transição.
Além disso, a associação aponta que esse modelo de hospital ajuda a desafogar o sistema de saúde, uma vez que os pacientes que precisam de cuidados continuados permanecem ocupando leitos em hospitais de alta complexidade. Em vários países o desenvolvimento desse modelo foi pensado com o intuito de reduzir o tempo de hospitalização de cuidados agudos, levando a uma redução das despesas médicas. Assim, esses hospitais de transição ocupam a lacuna de falta de leitos e promovem eficiência no processo de saúde, diminuindo os custos de internação prolongada. Segundo a ABRAHCT, o custo médio de um paciente no hospital de transição gira em torno de 15% a 40% de um hospital geral.
Assistência domiciliar ou home care
Quanto ao home care, o artigo do Boletim Técnico do Senac apontou que esse modelo substitui a atenção do hospital para pacientes clinicamente estáveis. O home care implica em vários fatores positivos, entre eles a redução do risco de infecção hospitalar, a humanização da atenção pela proximidade do paciente com seus familiares, aumento da resposta terapêutica ligada a uma melhora da qualidade de vida, entre outros pontos.
No entanto, o home care possui vários desafios, como indicado ao longo do artigo: costuma haver uma resistência da família em relação ao home care, pois os familiares se sentem frustrados com a alta hospitalar antes do desaparecimento de todos os sintomas; a função daquele que cuida do paciente é vista como desgastante, havendo uma forte necessidade de apoio psicológico da equipe de saúde; e as famílias se sentem inseguras de assumir um cuidado no domicílio, entre outros pontos.
No Brasil, os médicos de família foram pioneiros quanto à prestação de serviços e saúde em domicílio, mas a expansão dessa forma e assistência começou com a ampliação de programas inerentes ao SUS. De acordo com o Núcleo Nacional de Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar (Nead), a pandemia impulsionou esse modelo de cuidado por conta do risco de infecção nos hospitais, com uma alta de 15% do faturamento no setor em 2020. Contudo, o Nead ressalta que mais de 95% dos atendimentos de home care são voltados para clientes de planos de saúde.
Contexto internacional da desospitalização
A desospitalização já está mais consolidada em países mais desenvolvidos, tanto em relação aos hospitais de transição quanto ao home care. O relatório da Grand View Research apontou que o mercado global de serviços voltados para cuidados de transição foi avaliado em US$ 175,6 bilhões em 2021 e fez uma estimativa de expansão a uma taxa de crescimento anual composta de 17,4% do ano de 2022 até 2030.
O Grand View Research também atribui essa perspectiva de crescimento à demanda provocada pelo aumento das doenças crônicas no mundo, o que está muito atrelado ao envelhecimento populacional. Houve um destaque para a população idosa em países como Estados Unidos, Itália, China, Japão e Índia. Outros fatores que impulsionam a expansão desse mercado são a redução das reinternações nas unidades de saúde e o custo-efetividade desses serviços.
O relatório indica que em 2021 a América do Norte prevaleceu nesse mercado com uma participação superior a 45%, sendo ele muito competitivo, uma vez que os principais players desse mercado estão nessa região. Ainda, há uma expectativa de que a taxa de crescimento anual composta na região da Ásia-Pacífico seja de 18,3% entre 2022 e 2030 (ou seja, superior à média de 17,4%). Isso se deve principalmente ao crescimento da população idosa, além do aumento de cirurgias, doenças e estabelecimento de instalações de saúde nesta região.