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Fraudes na saúde: não é só uma solicitação irregular de reembolso

As fraudes na saúde ainda são um tema um tanto invisibilizado, mas causam prejuízos que impactam em toda a cadeia na saúde suplementar.

Paola Costa
4 minutos

No direito civil, a fraude é associada a um ato enganoso que tenha por objetivo lesar alguém em benefício próprio. Dentro da saúde suplementar, existem alguns tipos, os quais podem acontecer em diferentes setores e de diversas formas. Entre elas, uma das mais comuns é a fraude entre o beneficiário do serviço, o profissional médico e a operadora de saúde. Dentro dessa relação, algumas formas comuns de fraudes na saúde são a omissão de doença preexistente pelo beneficiário, a utilização da identidade do usuário por uma pessoa não segurada e pedidos de reembolso indevidos.

Em relação aos reembolsos, vale destacar que, segundo a Abramge, eles atingiram um número recorde em 2022. As empresas fizeram um repasse de R$ 10,9 bilhões, o que significa um aumento de 21,1% em comparação com os R$ 9 bilhões em 2021, cujo valor já era superior ao ano de 2020 (R$ 6,6 bilhões). Parte desse crescimento exponencial é atribuído ao problema das fraudes.

Outras formas de fraude podem acontecer, por exemplo, na relação entre as operadoras e demais agentes, sendo um exemplo o atraso intencional no pagamento das contas. Ainda, há a prática de superdimensionar o valor de uma consulta, ou a transformação deste em dois ou mais recibos, levando a um lucro ilegal com o ressarcimento para a clínica e/ou o paciente. Além da questão do desperdício e prejuízo, algumas dessas formas de fraude também podem causar risco à saúde do paciente, mediante a omissão de uma doença, por exemplo.

Além dos casos de fraudes que repercutiram recentemente, em 2022 a FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) já havia identificado empresas de fachada que se valiam de “beneficiários laranjas” e de falsos prestadores de serviço para solicitar no plano de saúde um reembolso indevido. Isso levou a um prejuízo de cerca de R$ 40 milhões, acendendo mais um alerta sobre esse contexto.

Impacto econômico das fraudes na saúde

No âmbito econômico, essas fraudes promovem um prejuízo que não pode ser desconsiderado. De acordo com um relatório do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), em 2017 foram gastos R$ 28 bilhões para fazer a cobertura de custos de procedimentos médicos desnecessários e fraudes nas contas hospitalares, o que representou 19,1% do total de despesas assistenciais.

Sob uma ótica mais específica, o IESS indicou que entre 12% e 18% das contas hospitalares constam itens indevidos e que entre 25% a 40% dos exames realizados são desnecessários. Isso resulta em torno de R$ 15 bilhões de fraudes em contas hospitalares e R$ 12 bilhões em pedidos de exames sem necessidade. Em 2022, segundo a CNseg (Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização), as fraudes ajudaram a promover um prejuízo de mais de R$ 10 bilhões.

Fragilidade regulatória favorece fraudes

O relatório atribui como principal razão desse cenário a ausência de mecanismos efetivos de controle e transparência para fazer a prevenção ou o combate dessas fraudes. O alicerce regulatório e legal brasileiro ainda é muito frágil quando se trata de fraudes na saúde, algo que precisa ser melhorado.

Além disso, alguns comportamentos como a partilha da carteira do plano de saúde ou o ato de pedir por mais de um reembolso para o mesmo procedimento médico são vistos como socialmente aceitos, o que também não contribui para conscientização e mudança sobre esse cenário.

Um ponto adotado nos Estados Unidos, por exemplo, diz respeito a considerar o denunciante como um parceiro do estado. Ele é estimulado a realizar essa denúncia e, eventualmente, é até mesmo remunerado. A CNseg indicou que esse mecanismo de reportar as fraudes levou à recuperação de um valor em torno de US$ 2,4 bilhões.

Consequências desta conjuntura

Esse contexto das fraudes em saúde contribui com um cenário de prejuízo que reverbera nos custos de todas as pontas do sistema de saúde suplementar, das operadoras aos beneficiários. Por conta disso, as seguradoras e operadoras de saúde têm atuado fortemente para expor o impacto das fraudes e buscar soluções para combater isso.

Um dos resultados desse cenário, especificamente em relação aos pedidos fraudulentos de reembolso, foi que os planos de saúde ganharam o direito de exigir a comprovação do pagamento antes de reembolsar o beneficiário. Antes, os planos solicitavam somente as notas fiscais dos serviços, só que as operadoras passaram a observar casos de pedidos de reembolso sobre procedimentos que não haviam sido realizados nem pagos.

Além disso, há um investimento em tecnologias que possam garantir um acesso adequado do beneficiário ao serviço contratado, como ferramentas de reconhecimento de voz ou da face. A inteligência artificial também entra nesse cenário para reprimir um uso fraudulento, atuando com o cruzamento de dados. Nesse sentido, surgem healthtechs voltadas para essas soluções, identificando possíveis fraudes no uso dos planos de saúde, trabalhando em conjunto com RHs pensando nos planos corporativos, entre outros exemplos.