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Genômica e o futuro da medicina: avanços, mercado e impacto na saúde global

Da evolução dos estudos sobre DNA ao uso da inteligência artificial na genética, a ciência genômica está mudando a forma de diagnosticar e tratar doenças, bem como as pessoas cuidam da própria saúde

Letícia Maia

Embora 70% da vida humana sejam determinados por hábitos e estilo de vida, ainda há 30% cuja influência é diretamente genética. Desde comportamentos até doenças, é possível atuar em diversos segmentos com mais precisão quando se dispõe de informações genéticas.

Nos últimos anos, a genômica – campo que estuda o material genético de organismos vivos (DNA) – fez descobertas que permitiram avanços no diagnóstico e tratamento de diversas condições, como as cardiovasculares, oncológicas, metabólicas e outras. Assim, a medicina agora caminha para ser menos generalista e mais personalizada e precisa.

Atualmente, já é possível realizar testes genéticos em nível pessoal e populacional. No nível pessoal, o Brasil conta com serviços oferecidos por laboratórios de grandes redes, como Dasa e Fleury, que possuem um departamento de genômica, além de empresas que vendem testes diretamente para o consumidor, como a Genera, Predicta e Igenomix.

Na venda direta para o consumidor, as pessoas buscam informações que indiquem quais doenças podem desenvolver ao longo da vida, como o corpo processa nutrientes, responde a medicamentos e sua capacidade de desempenho físico (como tempo de resistência e risco a lesões), entre muitas outras.

Já no nível populacional, ao analisar variações genéticas em diferentes grupos, pesquisadores e profissionais de saúde podem identificar predisposições a doenças, aprimorar estratégias de rastreamento e desenvolver políticas públicas de saúde mais eficazes.

Nesse sentido, uma das principais aplicações da genômica na saúde pública é a vigilância epidemiológica. Isso porque, com o sequenciamento genético de vírus e bactérias, é possível monitorar mutações e identificar novas variantes de doenças infecciosas, como foi feito durante a pandemia de Covid-19. Essas informações permitem uma resposta rápida na formulação de vacinas e tratamentos, além de embasar medidas de contenção e controle de surtos.

Mas, afinal, qual o conceito de genômica e como ela é feita?

Definições e bases da ciência genômica

A genômica é o campo da biologia que estuda o conjunto completo de genes de um organismo. Conforme definido pelo Serviço Nacional de Saúde (NHS) do Reino Unido, essa ciência investiga o DNA, seus genes e como eles se expressam, interagem e atuam no organismo.

O genoma humano é composto por aproximadamente 3 bilhões de pares de bases e estima-se que contenha entre 20 e 25 mil genes. Cada célula do corpo humano (exceto as células reprodutivas) contém uma cópia completa desse genoma. Quando ocorrem mutações no DNA, o organismo é afetado, podendo influenciar desde a formação do feto até sua associação a doenças e tendências comportamentais.

A diferença entre genética e genômica está no foco de estudo: enquanto a genética examina genes individuais e sua transmissão hereditária, a genômica busca compreender como todos os genes interagem entre si e com o ambiente. Além disso, a genômica investiga regiões do DNA que não codificam proteínas, mas que podem desempenhar papéis essenciais na saúde e no desenvolvimento de doenças.

Para estudar o genoma, é possível recorrer a diferentes métodos. Por exemplo:

  • Sequenciamento de genoma completo (WGS) – Obtém a sequência total do DNA de um organismo, analisando suas variações genéticas.
  • Sequenciamento do exoma – Examina apenas as regiões codificantes do DNA, que representam cerca de 1% a 2% do genoma, mas contêm a maioria das mutações associadas a doenças genéticas.
  • Sequenciamento direcionado – Analisa regiões específicas do DNA, oferecendo um custo reduzido e uma abordagem mais focada do que o WGS.
  • Genotipagem – Identifica variações genéticas sem sequenciar o genoma completo, sendo útil para estudos populacionais.
  • PCR (Reação em cadeia da polimerase) – Amplifica segmentos específicos do DNA para posterior análise.
  • RNA-seq – Mede a expressão gênica ao sequenciar moléculas de RNA.
  • ChIP-seq – Estuda interações entre proteínas e DNA para compreender a regulação gênica.
  • ATAC-seq – Analisa a acessibilidade da cromatina, fornecendo informações sobre a estrutura do DNA.

Com essas metodologias, é possível compreender como os genes influenciam o crescimento e o desenvolvimento, além de prever a probabilidade de desenvolvimento de doenças ao longo da vida, tudo com base no perfil genético.

Para atingir o nível atual, muitos estudos e projetos foram conduzidos ao longo da história. Veja abaixo como a ciência genômica se desenvolveu ao longo do tempo.

A genômica ao longo do tempo

O estudo do material genético humano começou no século XIX, com a identificação do DNA e de suas bases nitrogenadas. No entanto, foi no século XX que avanços significativos ocorreram, como a descrição da estrutura de dupla hélice do DNA por Watson e Crick em 1953 e o lançamento do Projeto Genoma Humano em 1990. O projeto, concluído em 2003, sequenciou 92% do genoma humano e forneceu uma base para futuras inovações na pesquisa genética.

Nos últimos anos, os avanços foram ainda mais rápidos, impulsionados pelo desenvolvimento de novas tecnologias de sequenciamento e pela aplicação prática desses conhecimentos na área da saúde.

Por exemplo, em 2009, cientistas publicaram a primeira análise abrangente de genomas de câncer, na qual identificaram alterações genéticas associadas a tumores de pulmão e melanoma. No ano seguinte, a sequência do genoma do Neandertal foi concluída, permitindo comparações diretas entre o DNA humano moderno e o de espécies ancestrais.

No entanto, a grande revolução da edição genética ocorreu em 2013, com a descoberta do CRISPR-Cas9, uma ferramenta que permite modificar o DNA com alta precisão. Essa tecnologia não apenas transformou a pesquisa genética, mas também abriu novas possibilidades para o tratamento de doenças hereditárias.

Assim, em 2017, com a ajuda do CRISPR, cientistas editaram embriões humanos pela primeira vez, corrigindo uma mutação associada a doenças cardíacas hereditárias.

E então chegou a vez dos projetos de sequenciamento populacional. Em 2018, o Reino Unido concluiu o projeto 100K Genomes, no qual mapeou o DNA de 100 mil pessoas afetadas por doenças raras e cânceres, estabelecendo um modelo para futuras iniciativas em medicina de precisão.

Dois anos depois, o sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2 foi fundamental para acelerar o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19.

Outro marco ocorreu em 2022, quando pesquisadores finalmente preencheram as lacunas restantes no sequenciamento do genoma humano, completando a leitura de 100% do DNA pela primeira vez na história. No ano seguinte, o Reino Unido lançou um programa piloto para testar o sequenciamento do genoma completo em recém-nascidos, avaliando sua utilidade na detecção precoce de doenças genéticas.

Em 2025, os projetos genômicos de maior destaque são o Newborn Genomes Programme e o BeginNGS, do Reino Unido e dos Estados Unidos, respectivamente. Ambos os programas de pesquisa buscam otimizar o teste do pezinho com sequenciamento genômico. 

Perspectivas de mercado

De acordo com a análise da Precedence Research, atualmente, o mercado mundial de genômica movimenta US$ 44,21 bilhões e deve atingir o patamar de US$ 175,18 bilhões até 2034. Com um crescimento de 16,53% ao ano, o mercado de genômica é impulsionado principalmente pela América do Norte e pela Ásia, que representam 42,65% e 30,15% do mercado, respectivamente. A América Latina detém 18,86% da participação de mercado e tem o Brasil como líder do segmento, com mais de 50% das iniciativas em genômica.

A inteligência artificial (IA) e o machine learning (ML) tornaram-se ferramentas importantes para o avanço da ciência genômica. Isso porque o grau de complexidade alcançado exige ainda mais recursos para permitir análises precisas e rápidas, além da necessidade de extrair insights sobre os dados gerados, armazená-los e torná-los compreensíveis para os médicos que utilizarão essas informações genéticas.

Em genômica, destaca-se o modelo de venda direta para o consumidor, como o da Genera – laboratório de genética brasileiro pioneiro no segmento de medicina genômica –, conhecido por oferecer informações, com base em exames genéticos, para prevenção de doenças e análise de desempenho esportivo, mas, principalmente, pelo rastreamento da ancestralidade.

Modelos de negócio como o da Genera avançaram e ganharam espaço entre os consumidores graças à redução do custo de cada sequenciamento, que hoje é inferior a R$ 5 mil no Brasil. A título de comparação, em outros países, o custo desse procedimento era de US$ 1 milhão em 2007, US$ 1 mil em 2014 e US$600 em 2022. Embora o valor final do serviço hoje seja relativamente acessível, a expectativa é que o preço seja reduzido ainda mais, em prol de um mercado com maior capilaridade.

Ainda no contexto da genômica na América Latina, iniciativas voltadas à saúde pública enfrentam desafios relacionados à infraestrutura para a coleta e análise de dados genéticos em larga escala. No entanto, o Brasil tem investido em programas de sequenciamento populacional e biobancos nacionais – como o Banco Nacional de Tumores e DNA, do Instituto Nacional de Câncer (INCA) –, que podem auxiliar no desenvolvimento de políticas de saúde mais direcionadas e eficazes.

À medida que a genômica se torna mais acessível e integrada ao sistema de saúde, seu impacto na saúde pública tende a crescer, contribuindo para um modelo de medicina mais preventivo, preditivo, preciso e personalizado.

Impacto do conhecimento genético na vida real

No que se refere ao Brasil, a realização de testes genéticos têm atraído e impactado cada vez mais a vida das pessoas. De acordo com uma pesquisa publicada no Journal of Community Genetics, realizada pela Genera em parceria com a USP, 64% dos consumidores brasileiros mudam seus hábitos após a realização de testes genéticos.

Em outro levantamento feito pela Genera, com a participação de mais de 4 mil pessoas, constatou-se que 27% dos participantes acreditam que conhecer melhor seu corpo e sua genética facilitaria a prevenção de doenças. Enquanto isso, 25% acham que o conhecimento genético ajudaria a entender melhor suas necessidades alimentares.

Em novembro de 2024, em mais uma parceria entre USP e Genera, uma pesquisa com 1.315 consumidores brasileiros mostrou que, após os testes genéticos:

  • 38,7% dos participantes ajustaram suas dietas;
  • 24,2% passaram a realizar exames regulares de saúde;
  • e 16,5% aumentaram a prática de atividades físicas.

Além disso, muitos passaram a demonstrar maior interesse em cozinhar em casa após receberem os resultados dos testes genéticos, buscando refeições mais saudáveis que os ajudassem a atingir objetivos específicos, como reduzir o percentual de gordura, ganhar músculo e outros.

"Os testes genéticos diretos ao consumidor estão se tornando cada vez mais acessíveis e populares, promovendo um entendimento mais profundo sobre a saúde individual. Na era da informação, entender a própria genética é como ter um mapa do tesouro para a saúde. Cada gene é uma pista que nos guia em direção a escolhas mais sábias e personalizadas. E, nessa jornada, os testes genéticos são ferramentas valiosas para personalizar as abordagens de saúde e bem-estar”, afirmou Ricardo Di Lazzaro, médico, doutor em genética pela USP e cofundador da Genera.