O debate sobre a desospitalização vem chamando atenção e ganhando espaço no mercado da saúde no Brasil. O conceito da assistência domiciliar é mais intuitivo e popular, mas ainda existe um grande desconhecimento a respeito dos hospitais de transição, seu intuito e funcionalidade. Em entrevista exclusiva, Alexandre Santini, CEO da Rede Altana, compartilha mais sobre esse modelo de hospital, as condições atendidas, a trajetória com as operadoras de saúde e suas perspectivas sobre os próximos anos.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O que são hospitais de transição? Para quais condições eles são úteis?
São instituições que atuam no cuidado de pacientes que passaram por um evento agudo e que ainda não estão aptos para retornarem para as suas casas. Nós atuamos através de uma equipe multidisciplinar composta por médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutrólogos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Desenhamos um plano terapêutico com metas individuais para cada paciente que entra na nossa instituição. Essas metas são traçadas semanalmente e compartilhadas com familiares, desde o primeiro momento da internação. Nós visamos oferecer para o paciente uma recuperação e reabilitação para que ele atinja o seu nível máximo de ganho de independência funcional.
Os hospitais voltados para o cuidado de pacientes agudos têm foco no diagnóstico e estabilização daquele paciente, o que envolve um alto investimento em recursos. O tempo de permanência de cuidado do paciente dentro desse hospital hoje no Brasil está entre quatro e cinco dias. Vamos imaginar um paciente que teve um AVC: ele passa por um momento de diagnóstico, tem uma intervenção rápida de um neurocirurgião, depois ele sai do hospital e está em um quadro já estável com as sequelas dadas por esse evento agudo. O foco do neurocirurgião não é cuidar do paciente após estabilização, mas sim tratar do evento agudo. Já o foco dos hospitais de transição é diferente. Nós somos um time multidisciplinar voltado para reabilitar esse paciente. Ainda temos pacientes com uma alta dependência de cuidado na nossa instituição, mas em uma criticidade menor do que no hospital. Depois que nós passamos por essa fase, que pode ocorrer entre 30 a 90 dias, esse paciente tem alta. Muitas vezes ele vai para sua residência e cuidados familiares na sua nova realidade. Outras vezes, ele sai para algum cuidado ainda de home care, o qual se volta para pacientes de menor complexidade que não dependem de médico à disposição 24 horas e de uma equipe multidisciplinar.
Basicamente, nós trabalhamos com três tipos de pacientes: o paciente clássico de reabilitação, que muitas vezes tem uma boa recuperação e ganha independência funcional para voltar para o seu cotidiano; o paciente em cuidados paliativos que é aquele que está no final de vida e isso gera uma angústia social para família; e o paciente de longa permanência, que é aquele em que tendemos a diminuir gradualmente o nível de cuidado para que ele possa voltar para sua residência, melhorando a deglutição, tirando traqueostomia, entre outros pontos.
Sabemos que o Brasil está muito atrelado a planos de saúde ou SUS. Como você conversa com esses players? Hoje, os hospitais de transição conseguem atuar no SUS ou ainda não? E como funciona a conversa com os planos de saúde?
Nós não atuamos com o SUS. É um mercado que ainda não se desenvolveu lá, mas tenho a expectativa de que em algum momento isso aconteça. Nós buscamos um benchmark mais do mercado americano, apesar das suas particularidades. Sempre olhamos com cuidado para esse mercado lá fora quando montamos um negócio. Nós começamos a olhar para o paciente que estava institucionalizado dentro de hospital e que tinha um alto grau de dependência e de cuidado. E então começamos a ser provocados, até mesmo por alguns hospitais, que nos apontavam que eles não tinham o foco em diminuir a complexidade do cuidado do paciente institucionalizado.
Começamos e conseguimos ter muito sucesso em tirar esse paciente que estava há três ou quatro anos institucionalizado no hospital e levá-lo a sua residência. Esse paciente passava pela nossa instituição, nós diminuíamos o grau de complexidade e conseguíamos dar alta muitas vezes para o home care de forma inicial. E por que antes ele não ia direto para o home care? Porque ele era um paciente muito instável que ia para o home care e depois precisava de reinternação, sendo melhor mantê-lo no próprio hospital. A nossa tese começou assim. Outras empresas aqui na cidade de São Paulo começaram modelos semelhantes, mas olhando mais para pacientes oncológicos e os cuidados paliativos, o que era uma visão diferente da nossa.
Nos aproximamos mais desse mercado no contexto internacional e começamos a avaliar as teses. A operadora tinha medo de tirar o paciente de um hospital e cair em uma experiência com o home care na qual o paciente nunca mais saía desse tipo de cuidado, que se tornava assim um terceiro player. Havia um medo do paciente ingressar no hospital de transição e isso se tornar algo de longo prazo. Então criamos o modelo de remuneração decrescente: todo paciente de cuidados paliativos ou de reabilitação vinha para cá com um ticket e a cada período ele tinha um decréscimo. Quando passava a meta estabelecida inicialmente, aquele paciente tinha um decréscimo que financeiramente não era mais viável para a companhia. Não fizemos isso porque não queríamos o paciente, mas sim porque de fato não havia necessidade. A nossa tese foi pautada na ideia de que “aceitamos isso, queremos provar que estamos alinhados com vocês e que o paciente vem para o hospital de transição para realmente melhorar sua condição clínica”. Só que isso é uma trajetória. Hoje nós estamos chegando em 16 anos. No final da última década, a partir de 2015, começaram a aparecer players já de fora da cidade de São Paulo e eles têm nos ajudado a disseminar mais isso no setor. A operadora continua com as mesmas dores. Ao longo de todo esse período tivemos uma construção para nos mostrar fiéis à nossa tese. Isso tem dado muito certo e conseguimos entregar aquilo que eles esperam. Só posso falar pela minha companhia, mas diria que hoje o mercado nos vê com bons olhos.
Existe algum número geral de quantos pacientes poderíamos levar para um hospital de transição que hoje não são levados? E o quanto conseguimos de redução de custo?
Posso falar um pouco da minha experiência e da realidade de São Paulo, que é onde atuamos. Somos um redutor de custo de diária em comparação com a diária hospitalar do nosso paciente, que é crônico. Imagine: o paciente com ventilação mecânica normalmente está dentro de uma UTI, não no quarto. 60% dos nossos pacientes estão com ventilação mecânica, então eu diria que há entre 70% e 80% de redução de custo de internação. Quanto a quantidade é difícil falar, mas temos os benchmarks. No mercado europeu, por exemplo, estima-se que entre 10% e 25% dependendo do país, da quantidade de leitos de agudos. Imagine um país que tenha 500 mil leitos de agudos, você teria no mínimo 50 mil leitos de hospitais de transição.
Além disso, vale destacar que no Brasil vivemos um processo de envelhecimento muito grande. Mais de 70% dos nossos pacientes são idosos. Isso não ocorreu porque o nosso foco é o idoso, mas sim porque essa população tem uma prevalência maior de doenças que tenham esse impacto. Então o crescimento vai ser muito grande.
Você vê a desospitalização como uma tendência na saúde hoje? E o home care?
Eu acredito que a tendência é que o hospital de agudos realmente tenha um tempo menor de permanência e fique cada vez mais focado em centros cirúrgicos, em diagnóstico e especialização. Acredito que a hospitalização tende a reduzir e para isso acontecer há uma necessidade de ter mais agilidade para dar alta. Mas, como o mercado vai se acomodar, se vai haver mais hospitais de transição ou home care é outra questão. Eu acredito que os modelos são complementares e que somados, promovem juntos valor ao sistema de saúde. A Atenção Domiciliar é uma solução consolidada e eficiente, mas com muitas oportunidades, principalmente na interface com o hospital de transição. A internação domiciliar aconteceu mais no Brasil do que fora, mas não sei como vai ser a visão das operadoras. Mas eu acho que existe uma forte tendência de crescimento dos hospitais de transição por conta da sua subutilização.
Você tem alguma dica para os empreendedores? Onde você vê as maiores oportunidades?
Existem algumas oportunidades, mas acho que a principal delas seria a integração das plataformas. Essa navegação do cuidado do paciente precisa estar mais integrada. O paciente é sempre um novo paciente para cada player da jornada de saúde, o qual precisa desenhar um novo plano. Quando pensamos nos pacientes crônicos e no acompanhamento que precisa ser feito, a integração se mostra necessária. Então entendo que esse seria um ganho muito grande na saúde e é algo que ainda não temos.