Desde o final de 2024, quando um vídeo de Satya Nadella, CEO da Microsoft, viralizou no LinkedIn, um burburinho se instaurou: estamos frente ao início do fim dos SaaS (Software as a Service)?
Na gravação, Nadella falava de suas visões para o futuro de diversas áreas, sendo um deles o segmento dos SaaS, no qual o CEO enfatizou que veremos uma transformação radical, devido à ascensão da Inteligência Artificial e a chegada dos “Agentes de IA”, ferramentas capazes de automatizar tarefas complexas.
Ainda segundo o CEO da Microsoft, os softwares do futuro, com inteligência artificial generativa integrada, vão permitir a integração direta de dados armazenados em diferentes plataformas, como bancos de dados e sistemas.
Dentro desse contexto, a IA generativa chega como um complemento importante para essas tecnologias, já que não apenas poderá coletar dados, como também irá estruturá-los corretamente para que eles possam ser filtrados, analisados e integrados às demais informações de um mesmo ecossistema.
Além disso, a faceta de “Agente de IA” também ajudaria a tornar a usabilidade dos softwares mais simples, com menos etapas e telas – como é de costume acontecer em diversos aplicativos.
Mas, afinal, o que o setor de saúde tem a ver com isso?
O que é SaaS e como a Saúde o utiliza
A sigla SaaS significa “Software as a Service” (Software como Serviço, em português) e refere-se a plataformas e aplicativos com armazenamento em nuvem. Essas tecnologias surgiram como uma alternativa aos softwares tradicionais locais (on-premise), que exigiam instalação, manutenção e infraestrutura própria.
Atualmente, os serviços por software são procurados principalmente por empresas de médio e grande porte, pois trata-se de uma forma de impulsionar a escalabilidade do negócio a um custo reduzido – quando comparado ao que seria gasto com infraestrutura tradicionais.
No que se refere à função, a principal vantagem dos SaaS é permitir a interoperabilidade de dados entre os diversos agentes de um mesmo ecossistema – como enviar informações automáticas de um laboratório para a clínica. Entre outros exemplos de SaaS na Saúde, podemos citar:
- Conexa Saúde – Plataforma para teleconsultas;
- Nuria – Plataforma de interoperabilidade do sistema com foco no engajamento do paciente;
- Closecare – Software para gestão de documentos;
- Track.co – Software de gestão de experiência do cliente;
- Welbe – Software de interoperabilidade com foco em saúde ocupacional.
Como indicado pela tese de cada uma dessas empresas, os SaaS são capazes de oferecer diferentes tipos de soluções. Ainda a título de exemplo, é possível destacar tanto as plataformas de telemedicina – que permitem a realização de consultas médicas mesmo em regiões remotas do país – quanto a facilitação dos processos de agendamento e da coleta de resultados de exames via aplicativo celular.
Quando comparadas às tecnologias baseadas em IA, os SaaS tradicionais possuem outro ponto favorável: regras e protocolos de segurança em estágios mais avançados, graças à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) que entrou em vigor em 2020 no Brasil.
Mas veja que, estamos falando do uso de softwares a nível corporativo. Ou seja, quando são aplicadas em uma empresa, trata-se de um uso sob vigilância da LGPD, HIPAA (legislação americana) e GDPR (legislação europeia).
O papel da IA generativa na Saúde
A chegada da inteligência artificial generativa gera impacto em diversas frentes e nos traz diferentes nomenclaturas para incorporar no cotidiano: Agentes e Co-pilotos de IA.
São chamados de “Agentes de IA” os modelos treinados para executar tarefas de forma autônoma, precisando de pouca supervisão humana. Na Saúde, esse recurso tem sido utilizado para facilitar a interação das empresas com os pacientes, trazendo agilidade para o agendamento de consultas e procedimentos, além de fornecer orientações e ajudar no monitoramento.
Porém, a preocupação com esses executores está associada à segurança. Afinal, quem garante que a IA não vai alucinar e dar alguma orientação de saúde perigosa para o paciente?
Do outro lado da situação, temos os assistentes de IA, também chamados por “Co-pilotos de IA”. Nesse caso, o objetivo é ampliar a capacidade humana. Ou seja, não é programado para executar nenhuma tarefa sozinho, mas contribui com insights e maior agilidade em processos.
Nesse sentido, de acordo com o levantamento de 2024 do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC), 17% dos médicos e 16% dos enfermeiros brasileiros já utilizam inteligência artificial generativa no trabalho.
Junto a isso, embora o número de adeptos ainda seja um pouco baixo, uma pesquisa do portal Medscape – realizada com profissionais do Brasil, Argentina e México – indica que 79% dos médicos da América Latina consideram a inteligência artificial uma aliada do setor, embora ainda existam receios.
Essas novas possibilidades apresentadas pela IA generativa, possivelmente serão incorporadas aos tradicionais softwares. Em contrapartida, esses recursos ainda apresentam diversos riscos. Por exemplo:
- Alucinações – a IA generativa pode gerar respostas críveis, mas incorretas ou imprecisas, podendo levar a diagnósticos errados ou decisões clínicas inadequadas, por sugerir um tratamento não validado cientificamente ou até mesmo contraindicado para um paciente.
- Quebra do sigilo médico – as plataformas de chatbots costumam armazenar as informações fornecidas. Dessa forma, o uso de IA generativa pode facilitar vazamentos e manipulação de dados sensíveis de pacientes. A memória dos dados fornecidos podem, inclusive, contribuir para que esses agentes alucinem.
- Dificuldades regulatórias e responsabilidade legal – no Brasil, ainda não há regulamentação clara sobre quem será responsabilizado quando a IA errar. Se um paciente sofrer danos devido a uma recomendação errada feita pela IA, quem será responsabilizado? Seria o desenvolvedor, o hospital ou o médico?
O mercado do SaaS e o setor de Saúde
De acordo com o relatório “State of Health Tech 2024”, da gestora de investimentos americana Bessemer Venture Partners, as empresas de software em nuvem estão entre os modelos de negócio mais investidos no último ano. As plataformas e apps SaaS foram utilizadas por fontes pagadoras, provedores e até mesmo em pesquisa e desenvolvimento.

Segundo análise da Fortune Business Insights, em 2024 o mercado de SaaS estava avaliado em 266 bilhões de dólares. Para este ano, deve atingir o patamar de US$ 315 bilhões, além de consolidar uma taxa de crescimento anual (CAGR) de 20%, que até 2032 deve representar um montante de mais de 1 trilhão de dólares.
Dentro desse contexto, estima-se que o setor de Saúde represente de 15% a 18% de todo o market share do SaaS no mundo. Com o uso impulsionado e consolidado pela pandemia por Covid-19, a expectativa para o futuro do SaaS, é que o CAGR seja maior por parte do setor de saúde.
Agora, considerando as transformações tecnológicas fomentadas pela ascensão da IA generativa e afins, podemos estar diante do início de uma nova era.
O novo SaaS e uma visão para o setor de Saúde
A incorporação de agentes e co-pilotos de IA nos softwares pode ajudar em, pelo menos, duas importantes questões do sistema de saúde: letramento digital dos profissionais e dos pacientes, e em interoperabilidade.
Através de uma interface simples, profissionais e pacientes pouco familiarizados com tecnologia podem ter mais facilidade em utilizar recursos digitais. Além disso, uma possibilidade de maior integração entre diferentes plataformas ajudará a reduzir a fragmentação dos dados.
Também chamado de “silos de dados”. Esse termo diz respeito ao conjunto de informações de uma empresa que acabam isoladas de outras. Isso acontece por motivos variados, às vezes por serem dados controlados por um departamento específico (que não deseja compartilhar o que tem), ora por estarem alojados em uma outra plataforma, que não possui integração com as demais.
Em decorrência dessa fragmentação, muitos negócios apresentam dificuldade em acessar informações relevantes ou têm esses documentos preenchidos de forma incompleta. No final do dia, isso tende a se traduzir em perda de oportunidades, descontrole sobre os dados e danos à imagem da empresa.
De volta às visões de Satya Nadella, a chegada da IA não deve causar a morte do SaaS, mas sim o renascimento dele. O famoso acrônimo talvez ganhe uma nova faceta, deixando de ser “software as a service”, para se tornar “service as a software”, uma versão que proporcionará uma gama maior de serviços ofertados.
Mas, por enquanto, trata-se mais de uma possibilidade do que de um fato consumado. Até as tecnologias IA atingirem maior capacidade, somada a necessidade das empresas conseguirem integrar esses recursos adequadamente aos seus softwares, pode levar um tempo.