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Sistema à deriva: a urgência de mudanças para evitar o colapso da saúde

O sistema de saúde suplementar enfrenta dificuldades na ponta das operadoras passam por prejuízos, dos prestadores de serviços que demoram a receber e dos clientes que sofrem com os reajustes. Existe uma saída?

Paola Costa
5 minutos

De acordo com os dados da Agência Nacional de Saúde (ANS) de março de 2023, o Brasil apresentou mais de 50 milhões de beneficiários em planos de saúde, o que é equivalente a 25% da população. A saúde suplementar enfrenta dificuldade generalizada, um cenário em que operadoras passam por prejuízos, prestadores demoram a receber e clientes sofrem com os reajustes.

Do lado das operadoras, segundo a ANS, em 2022 foi registrado um prejuízo operacional de R$ 10,7 bilhões. Além disso, a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) indicou que, entre 2021 e 2022, houve uma variação positiva de 5,6% nas receitas, enquanto que as despesas das operadoras aumentaram cerca de 11,1%, evidenciando esse descompasso. Em 2022, a entidade indicou que o índice de sinistralidade – relação entre o valor pago pelo beneficiário e o custo dos procedimentos – dos planos de saúde médico-hospitalares chegou à marca de 89,21% no último trimestre do ano, sendo um dos fatores centrais desse contexto de dificuldade. Ainda, trazendo uma comparação com dados mais antigos, segundo o Caderno de Informação da Saúde Suplementar, em 2006, o índice de sinistralidade foi registrado em 79,1%.

Essa crise é proveniente de muitos fatores, sendo o principal deles a alta no uso de serviços. Vale ressaltar que o país passa por um processo de transição demográfica e esse envelhecimento da população aumenta a demanda pelos serviços de saúde. Além disso, a FenaSaúde entende que esse cenário é agravado pela obrigatoriedade de ofertar tratamentos cada vez mais caros, por fraudes, aumento do preço de insumos médicos, judicialização e fim da limitação de consultas e sessões de terapias ambulatoriais com psicólogos, fonoaudiólogos e outros profissionais.

Esse contexto crítico dentro das operadoras influencia diretamente no reajuste dos planos de saúde, impactando também os beneficiários. Muitos deles optam por sair dos planos mediante os índices de reajuste, sobrecarregando ainda mais o sistema de saúde público. Em média, o reajuste foi de 11,4% entre dezembro de 2022 e fevereiro de 2023. Os maiores índices são provenientes do Bradesco, que aumentou os preços em 22,3%, e da SulAmérica, em 16,6%.

Ainda, por conta da falta de caixa, as operadoras de saúde também enfrentam as queixas dos hospitais e prestadores de serviços, uma vez que passaram a renegociar ou atrasar pagamentos, impactando essa ponta da cadeia. Por exemplo, as operadoras adotaram algumas medidas que aumentam o prazo de pagamento das contas, como o alongamento dos prazos de 60 a 80 dias para 120 dias. Além disso, uma parte delas determinou uma regra em que os hospitais só podem mandar o faturamento total do mês em um dia, ao invés de três a quatro dias, como era feito antes. Por fim, em números, segundo o Sistema de Indicadores Hospitalares ANAHP, em um acumulado de janeiro a novembro de 2021 e de 2022, o índice de glosas – que significa o não pagamento de um item que faz parte da conta hospitalar do paciente – foi de 3,63% para 4,61%, o que evidencia esse desequilíbrio na relação entre operadoras e hospitais.

Fee for service e os modelos de remuneração alternativos na saúde

Essa crise na saúde levanta um questionamento sobre os atuais modelos de remuneração, que vêm sendo considerados antiquados e insustentáveis. No Brasil, o mais comum é o fee for service, cuja remuneração tem por base o serviço realizado, o que inclui exames, consultas, medicamentos, etc. Nesse sentido, o modelo prioriza a quantidade de serviços, ignorando desfechos, o que pode estimular ao uso de serviços desnecessários e gerar desperdício.

Outras alternativas existentes são o pagamento por performance (ou P4P), bundle e capitation. O P4P atrela remuneração ao desfecho, de maneira que o cálculo do pagamento é feito com base nos custos para a geração de resultados clínicos positivos, priorizando a qualidade do serviço; o pagamento por bundle é mais indicado no caso de uma linha de tratamento específica, uma vez que consiste em um pacote fechado que vai suprir todas as necessidades de uma determinada condição; por último, o pagamento por capitation repassa uma quantia para o centro de saúde, que vai utilizar o valor para realização dos atendimentos e procedimentos necessários.

As healthtechs forçam o movimento de operadoras tradicionais

Em resposta à atual crise na saúde, surgem healthtechs que tentam solucionar as dores do setor com tecnologia, obrigando também a uma movimentação dos players tradicionais. Essas startups vêm abordando essas dores com propostas que prometem um cuidado mais humanizado e maior eficiência, oferecendo atenção primária com telessaúde e uma análise mais aprofundada dos dados de saúde, além de uma rede mais limitada, resultando em um valor menor.

Esses movimentos das healthtechs de planos de saúde, somados à crise, têm levado as operadoras tradicionais a uma busca por adaptações. Algumas começaram a dar um foco para o uso de tecnologia, para a coordenação do cuidado, atenção primária e redes mais limitadas. Além disso, a ANS também vem promovendo ações de incentivo, acreditando Unimeds com a Certificação em Atenção Primária à Saúde, por exemplo.

Outro desafio é conscientizar a população sobre o valor do cuidado preventivo, processo que é dificultado por uma barreira cultural, que prioriza a saúde reativa (tratamento da doença). Ainda, outra dificuldade das operadoras está na própria realização de modificações, uma vez que os contratos são antigos e impedem uma mudança muito brusca no modelo vigente. Isso gera uma necessidade de criação de novos produtos desde o princípio.