Os índices de prejuízo das operadoras e os reajustes nos planos de saúde vem repercutindo em toda sociedade e sobrecarregando o SUS pelas saídas de beneficiários. Esse estresse do cenário pós pandemia e do envelhecimento populacional evidenciam que o atual modelo é insustentável, levando o mercado a buscar possíveis alternativas.
Em entrevista exclusiva, Luiz De Luca, advisor e conselheiro no setor, além de membro do comitê de investimentos da Green Rock, reflete sobre esse contexto, levanta possíveis alternativas e faz um paralelo com o cenário internacional.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Como você avalia o panorama atual dos planos de saúde no Brasil?
Eu tenho falado que a saúde suplementar no Brasil está colapsando, e isso ocorre por uma razão de assimetria. Existe o primeiro ponto que é a assimetria de informação. Os modelos de pagamentos, seja uma seguradora/ operadora/ cooperativa, e os prestadores, têm informações distintas sobre o mesmo processo. Ou seja, um paciente que é assistido em um hospital, ao enviar as informações, ocorre uma assimetria, pois nem tudo que está descrito ali é o que de fato está representando a assistência adequada. Esse é um grande ponto. Essas informações também podem trazer uma assimetria de comportamento, porque às vezes o médico ou a instituição tem um propósito, enquanto que a operadora tem outro. Os processos não são transparentes, infelizmente, pois as codificações não representam a condição clínica a qual envolve inúmeras variáveis epidemiológicas. Existe uma assimetria por falta de transparência e incentivos.
Os estímulos são distintos. Um é mensurado por produzir mais, enquanto o outro tenta evitar que isso aconteça de maneira irracional e descontrolada, que é a questão da operadora. Tudo que eu colocar como operadora, nós vamos subentender que seja medicina de grupo, uma seguradora, uma cooperativa, etc, que seriam os agentes financiadores do processo. Buscamos sempre ter a melhor conduta assistencial. Entretanto, precisamos também produzir.
Ainda, ao longo do tempo o rol de procedimentos foi aumentando e dependendo do período que o segurado entrou, ele não pagou por esse incremento de atividades ou de novas prestações de serviços. Denominamos isso como risco atuarial, que é a relação do controle do risco de assistência fixado no modelo anterior, em uma base temporal anterior. Só que essa base temporal mudou, novas drogas e equipamentos vieram e novas tecnologias foram incorporadas. Como resultado, esse modelo atuarial estático ficou ultrapassado. Então, hoje, os modelos atuariais deveriam inclusive seguir outras considerações. Nos planos individuais há uma regulação fixa de precificação em relação à faixa etária, mas não necessariamente a faixa etária é condizente com o processo de doença ou de saúde do indivíduo.
Então essas considerações levam a um processo de avalanche, por todos os lados. Ocorre uma avalanche por um volume muito grande, por falta de recursos e aumento dos custos. E o modelo é o mesmo de 25 anos atrás. Esse processo está trazendo um colapso e estamos vivendo isso. A partir daí, obviamente derivam-se outras frentes que podem ser apresentadas como alternativas.
Qual a saída para a saúde no curto e médio prazo? Entendemos que, do jeito que a situação está, é difícil continuar assim até mesmo pensando nos próximos 2, 3 anos.
A saída não é tão simples, senão já teríamos saído. Eu vou trazer dois tópicos: a saúde suplementar e a saúde pública. A saúde suplementar segue uma politização. Inclusive nós acompanhamos no ano passado os novos procedimentos incorporados ao rol. Eu acho que não existe um produto que abranja tudo. O produto que abranger tudo deveria ter um preço para quem quer que abranja tudo.
Se você quer ter um seguro de carro full que pague tudo que possa acontecer, você vai pagar por um preço maior. A mesma coisa deveria ocorrer na gestão dos produtos de seguro saúde. Então deveria ter um aspecto de coberturas limitadas que trouxessem maior previsibilidade e maior ajuste. Consequentemente, tudo que tem um aspecto maior quanto a ajuste e limite, precisa ter um maior controle. Ele pode ser um pagamento por utilização chamado coparticipação, pode ser um controle por modelo de utilização que é através da atenção primária da saúde, de um médico de família, um sistema regulado.
Pensamos em um modelo que seja menos centralizado em uma base hospitalar e mais pulverizado no aspecto ambulatorial. Então você faz prevenção ambulatorial, atendimentos ambulatoriais e domiciliares, menos utilização de estruturas de alto custo. É necessário diluir isso. Então essas seriam saídas. É muito fácil falar mas muito complexo de se articular.
Estamos vendo o surgimento de algumas operadoras com a proposta de fazer uma melhor gestão da vida, mas elas estão com dificuldades tanto de fechar conta quanto de crescer. Como você enxerga esse contexto?
Eu acho que, no caso dessas operadoras, o problema de ganhar escala de crescimento vem do fato de que elas ainda estão sendo comparadas em seu modelo com as tradicionais. Essas operadoras estão tentando crescer no ambiente de alta competição que a população em si vê pouco atrativos a mudar esses modelos, seja por comportamento ou por incentivos da própria rede assistencial, dos próprios médicos.
Tem outro ponto importante que é a distribuição. Essas empresas, às vezes, tentam fazer a distribuição por redes próprias. Só que temos no mercado um agente controlador chamado corretor. Pela remuneração deste mercado de distribuição, as corretoras ganham duas, três vezes uma parcela, às vezes têm receita vitalícia enquanto estiver com esta carteira, portanto sem interesse de mudar. Então, essas novas operadoras tentam trabalhar com vendas próprias. Moral da história: não há um estímulo das corretoras a fazer essa distribuição.
Dessa forma, elas continuam fazendo o que eu chamo de “rouba monte”. Quando é precificado um alto reajuste de uma determinada operadora por uma empresa, o corretor fala “olha eu tenho uma alternativa: ao invés de reajustar em 20%, essa aqui está te mantendo o preço atual”. A operadora atual cobra 20% de reajuste, mas a operadora nova não vai cobrar nenhum reajuste. Isso que eu chamo de “rouba monte”. Esse modelo vai ter que acabar, pois esta carteira de vidas não está sendo controlada da maneira adequada. Logo, no ano seguinte, esta sinistralidade deverá ser precificada a um alto reajuste novamente.
Diante desse cenário, para onde a saúde está caminhando? Qual a tendência?
Apesar de todo esse cenário complexo, eu continuo sendo uma pessoa motivada. Eu não acredito no modelo atual e penso que deve haver um processo transformacional. Existem saídas? Acho que existem alternativas que devem trabalhar processos transformacionais tanto do ponto de vista da operadora como dos prestadores. Esses processos transformacionais podem começar com a agregação de inteligência e automação tanto na operadora como no prestador. Existem processos para obter maior eficiência, maiores controles, integrações de dados, etc. Eu acredito que isso levará a benefícios que irão diminuir custos. Obviamente, quando você integra mais informação, você tende a diminuir assimetrias, porque eles estão conectados. Não é uma solução, mas são atividades que irão minimizar esse processo de avalanche.
O problema é que o sistema ainda é muito fragmentado. Nós deveríamos ter bases de informações mais intercambiáveis. Eu não vou falar de Open Health que é um aspecto ainda um pouco utópico, mas sim de informações que possam migrar. Vou te dar um exemplo. A Green Rock tem o plano X, que pediu 30% de aumento. Outra operadora cogita oferecer um preço melhor para a empresa, só que para que ela possa fazer a precificação da Green Rock, ela deveria entender qual era a sinistralidade da carteira. Esses dados que estão na operadora deveriam ser acessíveis, mas por regulação, eles não são.
A ANS não permite acesso a esses dados que têm a sinistralidade da Green Rock. Então a operadora precifica fazendo pesquisa, avaliação atuarial de faixas etárias, de doenças preexistentes. É uma avaliação “no escuro”, apesar da carteira já ter uma sinistralidade e um perfil de utilização. Se esses dados são abertos, o processo fica mais transparente e a precificação é mais assertiva.
Eu acho que o digital health vai ser uma engrenagem de transformação. Eu acredito muito que as healthtechs ou as healthfintechs, que são outros agentes financiadores, irão tirar uma carga deste custo que hoje existe grudado no sistema atual para trazer maior eficiência, alternativas terapêuticas e assistenciais, reduzindo esse custo como um todo.
Muitos questionam “por que a operadora não faz gestão de crônicos?”. Ela faz gestão de crônico em casos extremos, porque se daqui seis meses a pessoa mudar para uma outra operadora, todo esse controle é perdido.
E como você compara com o cenário internacional?
Vou começar por um modelo muito próximo ao nosso que é o norte-americano. A grande diferença está na estrutura de cobertura: aqui, aproximadamente 20% da população tem cobertura de seguro saúde, enquanto nos Estados Unidos é o inverso. Lá, 80% tem uma cobertura de seguro saúde. Se eu tenho um hospital em uma determinada região dos EUA e ele é deficitário, ele fecha. O governo entende que a saúde é privada. Ou seja, se você é usuário de um plano de saúde que tinha determinado hospital que desativou, o problema é seu. E isso tem acontecido muito nos EUA. Modelos norte-americanos, por terem uma cobertura de seguro maior, são menos dependentes do Estado, menos regulados. Logo, as agências de precificação são diferentes. Ainda, o modelo norte-americano já está aplicando o processo de ambulatorização, a migração do in-patient para o out-patient. Os hospitais diminuem o número de leitos e abrem mais ambulatórios.
Modelos melhores sucedidos, embora tenham suas deficiências, são aqueles que têm o maior controle do Estado ou maiores controles por empresas privadas que fazem gestão de recursos do Estado. Assim é o modelo canadense. Não estou falando que ele é melhor, mas ele tem o maior controle sobre isso. O problema do modelo canadense é a fila, porque como você tem uma oferta de serviços menor por um processo de regulação, você acaba ficando em filas e é tudo mais lento. Vale lembrar que uma expectativa comportamental do latino é a de querer as coisas imediatas.
Mas você tem modelos diferentes em outros países da América Latina que têm o controle de empresas privadas em gestão de recursos públicos. Este é um bom caminho. O modelo inglês que sempre foi considerado muito eficiente, que era o modelo mais socializado, hoje está se tornando mais híbrido. Então eles estão tentando trabalhar melhor com codificações, maior controle de desfechos, mas passam por situações análogas de dificuldades, até mesmo por conta do envelhecimento. Todos esses países estão passando por situações de envelhecimento da população, o que traz um arrasto de custo. Esses modelos precisam ser revistos globalmente. Quando falamos que a saúde privada passa por um processo global de transformação, essa é uma consideração verdadeira.