Segundo a ANS, o Brasil registrou em março de 2023 mais de 50 milhões de beneficiários em planos de saúde, o que representa 25% da população. Quanto ao restante, existe uma parcela esmagadora que conta exclusivamente com o sistema público de saúde, o SUS, e uma porção que possui uma renda permissiva para as alternativas que surgiram no mercado nos últimos anos, como as clínicas populares.
Essas empresas surgiram a partir desse gap deixado pelo SUS e pelas operadoras, sob a promessa de realizar consultas, exames e outros serviços de saúde por preços mais acessíveis. Apesar da amplitude e das benesses do sistema público, ele enfrenta muitas dificuldades que vão desde longas filas de espera para consultas, a má distribuição de serviços, até os atrasos de procedimentos provocados pela pandemia, entre outros pontos.
As clínicas populares possibilitam, por exemplo, que as pessoas acessem métodos diagnósticos que têm uma fila muito grande no SUS e não são caros, dando mais velocidade ao início do tratamento e aliviando a sobrecarga do sistema público. A procura por consultas com especialistas também é grande mediante a concentração de profissionais em determinadas regiões e a alta demanda da população;
Além disso, do ponto de vista da saúde suplementar, o cenário de crise das operadoras e os altos reajustes que recaem sobre os beneficiários também contribuem com o aumento da procura por essas alternativas à saúde privada, sendo esta uma tendência na conjuntura atual do Brasil como um todo.
Nesse cenário, também passou a se falar muito sobre os cartões de descontos ou benefícios. Eles possibilitam o acesso a um número específico de exames ou consultas por um valor baixo. Como esses cartões não são regulados pela ANS, eles não têm a obrigação de uma cobertura mínima como as operadoras de planos de saúde. Essa regulamentação sobre as operadoras é um dos motivos que dificulta o oferecimento de planos mais baratos. Contudo, se os usuários desses cartões enfrentam problemas, eles não recorrem à ANS, e sim a órgãos de defesa do consumidor e também à justiça.
Limitações das clínicas populares no Brasil
Ainda que se coloque como uma resposta à crise e uma tendência de mercado, deve-se entender que as clínicas populares também possuem suas limitações. A ideia da clínica popular não é substituir os sistemas atuais, mas sim se consolidar como um complemento que atende a uma parcela e supre carências evidentes de acesso à saúde no Brasil.
Entre essas limitações, uma delas está na ausência da integralidade do cuidado e da continuidade dele, uma vez que se trata de serviços pagos de forma pontual. Ainda, uma parcela das pessoas precisa recorrer ao SUS quando há uma necessidade de tratamentos mais complexos e, em alguns casos, é preciso que todo o caminho de consultas primárias seja refeito na rede pública. Nesse sentido, alguns especialistas avaliam que essas clínicas deveriam ser submetidas a maiores regulamentações.
Em suma, a saúde é muito complexa e ainda não existe uma solução única que vá solucionar o problema de acesso, mas algumas tendências são evidentes. As clínicas populares, ainda que possuam limitações, respondem parcialmente a esse problema, desafogando em parte o SUS e otimizando com a velocidade de diagnósticos e a promoção de saúde para a população.
As retail clinics no contexto norte-americano
Do ponto de vista do contexto internacional, vale mencionar as denominadas retail clinics, ou “clínicas de varejo” do mercado norte-americano. Elas possuem certas similaridades com as clínicas populares do Brasil: tratam-se de clínicas médicas localizadas em grandes lojas e farmácias, oferecendo atendimento a uma gama limitada de problemas de saúde, além de vacinas e cuidados preventivos. Em geral, os preços são fixos e transparentes.
Um estudo da RAND Corporation, think tank norte-americana de política global, indicou que essas retail clinics têm sido propostas como uma alternativa mediante o custo elevado dos atendimentos de emergência para condições que não são emergenciais. Eles estimaram que até 20% dessas visitas ao departamento de emergência poderiam ocorrer em uma dessas clínicas, o que levaria a um potencial de economia de gastos próximo de $ 4,4 bilhões anualmente.
Essas clínicas começaram nos anos 2000 e têm crescido no mercado de assistência médica sob a proposta de conveniência, acessibilidade e transparência sobre os preços. Ainda, foi constatado que o público mais comum desses estabelecimentos é o de adultos jovens sem provedor regular. Ainda que possuam suas limitações, entende-se que as retail clinics também trazem benefícios quanto ao acesso à saúde, funcionando como um provedor para pacientes de baixa renda e aqueles sem um médico de cuidados primários.