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“Mercado de cannabis medicinal cresce 150% a cada ano”, avalia Lukas Fischer

Lukas Fischer, CEO da Endogen, pondera sobre os principais desafios do mercado de cannabis medicinal do Brasil e acredita que haverá uma prevalência do modelo proposto pela RDC nº 327, a qual possibilita a comercialização nas farmácias.

Paola Costa
6 minutos

A demanda por cannabis medicinal cresce no Brasil e o mercado se movimenta em resposta, enfrentando muitos estigmas sociais e dificuldades regulatórias. Uma empresa que abraçou esse desafio é a Endogen, uma das investidas da Green Rock. Fundada em 2022 por Lukas Fischer, Claudio Lottenberg, Dirceu Barbano e Luis Otávio Cabloco, a Endogen é uma healthtech de produtos de cannabis medicinal e nutrição que une educação, ciência e tecnologia.

A healthtech se destaca pela competência com a qual lida com os desafios do mercado de cannabis medicinal, com um discurso de autoridade perante a classe médica, dissociando bem a questão da utilização para fins médicos da ideia do uso recreativo. Outra fortaleza está na geração de demanda, que é bem respondida pela forma como a Endogen consegue circular pelas grandes redes farmacêuticas e conjugar uma plataforma de produtos que inclui suplementos e nutracêuticos, seguindo uma tese de cuidado do corpo como um todo, maximizando os resultados para o paciente e para a empresa.

Em entrevista exclusiva, o co-fundador e CEO da Endogen, Lukas Fischer, contou um pouco sobre a história, o propósito e os planos da empresa, além de compartilhar sua visão sobre o mercado atual de cannabis medicinal no Brasil, levantar os principais desafios, comparar com o cenário internacional e abordar as perspectivas da empresa para os próximos anos em relação as dificuldades regulatórias.

Confira abaixo a entrevista completa:

Qual a história da Endogen? O que vocês enxergaram no mercado de cannabis medicinal?

O nome Endogen vem da palavra “endógeno”, termo utilizado para abordar substâncias e processos que se originam dentro de um organismo. É o que vem de dentro para fora. Quando você fala que quer estimular fatores endógenos, você pode estimular órgãos, sistemas e tecidos do organismo. Geralmente, esse estímulo é induzido por meio de receptores. Os canabinoides, substâncias presentes na cannabis, estimulam, principalmente, o CB1 e CB2, que são os principais receptores do sistema endocanabinoide. Nós estamos ampliando esse conceito para além dos canabinoides, ao trabalhar com compostos bioativos e suplementos nutracêuticos que podem potencializar os efeitos no organismo para além do sistema endocanabinoide, atuando em outros sistemas, como o imunológico, digestivo, cardiovascular e endócrino.

Foi aí que surgiu a ideia de “vamos nos posicionar” como, eu entendo hoje, a primeira e única empresa jovem que tem essa abordagem.  Nós trabalhamos com cannabis medicinal, mas como essa é uma categoria bastante restritiva no sentido de que existem muitas barreiras regulatórias, complementamos esta linha com produtos de aminoácidos, vitaminas, minerais, compostos bioativos, proteínas e fibras. Nossa ideia é criar, junto com os canabinoides, uma homeostase, um equilíbrio interno. Esse é o nosso conceito e posicionamento.  

Como vocês veem o mercado de cannabis medicinal no Brasil hoje? Qual o maior desafio? 

Existem quatro maneiras para você consumir cannabis no Brasil. Uma delas é o mercado negro, que é muito grande e deve representar hoje ainda 80% do consumo no Brasil. Além dele, existem as associações que, com base em liminares, podem cultivar cannabis e vender com receita para os associados que pagam uma taxa. Essa produção não é de grau farmacêutico, mas já é mais controlada e garante um acesso para quem necessita.

Além disso, existe o modelo de importação individual própria, pela RDC 660, em que você pode, por meio de uma receita médica, fazer uma solicitação na Anvisa para importar o produto. O quarto modelo, da RDC 327, é o modelo da Endogen. Nele, o fornecedor cria um dossiê técnico, deve registrar esse produto e solicitar uma autorização sanitária para distribuir nas farmácias em grande quantidade. Isso é um modelo mais recente e é o que nós estamos nos identificando. 

Em termos de crescimento, o mercado está crescendo facilmente 150% a cada ano. Na farmácia, que é esse último modelo, o crescimento é de quase 300%. Ele é exponencial, mas, pela pouca oferta, existem poucos produtos nas farmácias. Ainda assim, hoje o maior crescimento está nessa venda nas farmácias. O mercado ilegal sempre vai existir. Eu acredito que o modelo de importação própria vai reduzir aos poucos à medida que aumentar a oferta nas farmácias, porque talvez não faça mais sentido você importar para uso próprio se você consegue comprar em uma farmácia qualquer pelo mesmo preço.

A questão de associações, liminares, cultivo, é uma incógnita. Amanhã o presidente pode deferir uma lei de cultivo de cannabis. Tudo é possível, mas é um cenário político que nós não sabemos quais são as perspectivas. O modelo de farmácia com certeza é o que mais cresce e deve representar em torno de 800 milhões em termos de faturamento neste ano de 2023. 

Como você compara o mercado internacional com o Brasil? 

Estamos muito distantes do mercado americano, canadense, europeu. Não podemos sequer nos comparar. A barreira de entrada do produto no Brasil é muito grande: precisa de receita médica azul que é controlada, a substância é tarja preta, de difícil acesso… são fatores muito limitadores. 

Eu acabei de voltar de uma feira de cannabis e nutrição em Los Angeles e lá são lojas especializadas em que você entra, mostra o seu ID e compra os produtos sem qualquer restrição. Aqui nós estamos falando de CBD, canabidiol, que não tem efeito psicoativo. Lá você compra drinks, bebidas, gummies, chiclete de cannabis com alto teor de THC nessas lojas especializadas. Em todos os supermercados e farmácias, o CBD, que nós estamos trabalhando aqui com tantas dificuldades, é algo que o meu filho de 10 anos poderia comprar. Isso é uma commodity, algo sem prescrição, considerado um suplemento alimentar, e não um remédio. Isso obviamente facilita muito. O crescimento e desenvolvimento dessa categoria, por motivos regulatórios, está muito tímido no Brasil ainda. 

Quantos produtos da Endogen já estão aprovados pela Anvisa? 

Nós temos autorização sanitária e vendemos hoje nas grandes redes de farmácia um extrato vegetal de cannabis sativa 200 mg em 10ml. Temos um outro em análise na Anvisa essa semana do mesmo produto em 30 ml, segundo produto que está por vir, além de oito novos produtos protocolados. Esperamos receber no início do segundo semestre o primeiro retorno da Anvisa com a expectativa de que no final do ano tenhamos alguns desses oito produtos já com a autorização em trâmite de importação para que no início do ano que vem a Endogen possa ter um portfólio que eu poderia chamar de o maior portfólio de cannabis medicinal nas farmácias brasileiras. 

Em relação ao processo da Anvisa, qual a maior dificuldade?

Hoje a situação é a seguinte: para você trazer um produto de fora, ele precisa de um grau farmacêutico. O que significa isso? Ele precisa ter um GMP (Good Manufacturing Practices), que é um certificado comprovando que esse produto está feito em um ambiente farmacêutico. Isso é uma produção muito cara porque envolve muitas normas. O ideal seria se a Anvisa estabelecesse que é um produto fitoterápico ou suplemento, assim como nos Estados Unidos e no Canadá.

As pessoas têm medo e o problema está na palavra “maconha”. Precisamos desmistificar esse termo. Nós não falamos de maconha, falamos de cannabis medicinal. É um extrato de uma planta, como que isso é tarja preta? A migração regulatória de um produto tarja preta para um fitoterápico com uma tarja vermelha, uma receita médica simples, seria melhor. Hoje, esse produto que temos aqui de tarja preta não permite a expedição em e-commerce, por exemplo, porque você precisa reter a segunda via da cópia da receita na farmácia. Isso é outro fator limitador na compra do produto. 

A Anvisa criou uma categoria própria para esse produto, chamada de “produtos à base de cannabis”. Então existem os remédios, os alimentos e essa categoria no meio que ninguém sabe exatamente como tratar. Idealmente isso iria para a categoria de suplementos e não para de remédios. Para desenvolver o mercado de cannabis medicinal no Brasil, seria importante haver um relaxamento da exigência regulatória. Não estou falando de abrir mão da qualidade, mas sim de reduzir a exigência em termos de prescrição para o paciente.

Além disso, não são só os médicos que deveriam prescrever. Dentistas, nutricionistas, nutrólogos também deveriam conseguir prescrever de uma forma mais simples esse produto. Atrelado a isso, o tempo de registro precisaria ser reduzido. Se tivéssemos uma forma mais simples para lançar produtos de qualidade e com menos tempo, isso aumentaria a oferta do produto, os preços iriam cair e o paciente conseguiria ter acesso de maneira mais simples e com menos burocracia. 

Sabemos que existe um estigma muito forte por conta do uso recreativo. O que você entende que falta para atingirmos um grau de maturidade maior?

Acho que isso começa pelo médico. Nós temos que estimular e educar de uma forma continuada a comunidade médica prescritora. Muitos médicos não sabem o que é cannabis medicinal e têm preconceito. Nós temos 300, 400 mil médicos no Brasil… quantos estão prescrevendo? Entre 8 e 10 mil. Precisamos aumentar a base médica prescritora e dar aptidão de prescrição para nutricionistas, nutrólogos e dentistas que conhecem e estudam os benefícios dos canabinóides e o sistema endocanabinoide. Por isso nós estamos fazendo vários congressos. Nós fazemos “mini meetings” em que convidamos médicos em restaurantes com palestrantes. Ontem em Brasília fizemos um para 25 médicos. Vamos no Medical Cannabis Fair e no mesmo final de semana iremos também para o Congresso Paulista de Sono.

Então nós atuamos com uma agenda científica agressiva para conseguir mostrar para esses profissionais da saúde os benefícios dessa categoria relativamente nova. Isso é algo que ajuda nessa desmistificação. Hoje você não pode fazer propaganda nenhuma de um produto desse e nem podemos fazer um contato direto com o consumidor. Então entendemos que esse processo deve acontecer através do médico formador de opinião. 

Onde você enxerga o maior potencial da cannabis medicinal?

Nós ouvimos muito na mídia sobre doenças complexas como Alzheimer, Parkinson, além das tratativas paliativas de oncologia, mas elas têm um potencial de mercado muito limitado. O grande mainstream está nas doenças pós-pandemia, como ansiedade, insônia, depressão, dor, estresse. Lá fora é um mercado enorme em que você substitui uma substância química por um extrato de uma planta. Está sendo feito agora um estudo clínico sobre enxaqueca, por exemplo.

Nós da Endogen temos no segundo semestre um plano de estruturar e participar de um estudo clínico de endometriose e outro na área de ansiedade e insônia. Para isso, estamos aguardando uma revisão da nossa atual legislação, da RDC 327, porque foi prometido que ela sairia no final do ano passado. Queremos ver exatamente quais são as exigências para conduzir um estudo clínico desses, quais etapas temos que cumprir, qual a amostragem de pacientes, como devemos estruturar. Nosso plano é transformar um produto à base de cannabis em um remédio à base de canabinóide se isso for a legislação. Nós não acreditamos que agora a Anvisa vai determinar que isso é um suplemento, seria muito otimista da nossa parte. 

Quais são os próximos passos da Endogen?

Existem passos que conseguimos alcançar com o nosso próprio esforço e existem passos que ficam mais na esfera da utopia. Por exemplo, essa ideia de “vamos montar ela RDC 327/19 um marketplace, um e-commerce de cannabis medicinal para os brasileiros” é algo inviável. Hoje nós não podemos. Existem já propostas e iniciativas em relação a isso, mas hoje ainda não é possível. Então nós vamos fazer o que podemos.

Nosso próximo passo é aumentar o portfólio, de um a dez produtos. Nós queremos ser a empresa com maior portfólio de cannabis medicinal do Brasil na farmácia. O segundo passo é aumentar a distribuição nas farmácias em todo o Brasil. Nós temos mais de 100 mil farmácias no país e queremos entrar em todas as redes renomadas, em todas as regiões e estados. O terceiro passo é aumentar nossa equipe de geração de demanda, a qual visita médicos e faz essa disseminação do conceito. Esses são os nossos três passos principais. Depois, conforme a lei for mudando, nós vamos nos adaptando com estudos clínicos, novos produtos e novas formas de vendas.