Segundo a World Kidney Day, organização internacional sem fins lucrativos, cerca de 10% da população mundial sofre de doença renal crônica, a qual pode ser fatal se o paciente não receber o devido tratamento. Campanhas mundo afora em torno do Dia Mundial do Rim, comemorado em 10 de março, tem crescido como uma forma de alertar sobre essa doença que ainda é bastante invisibilizada e desconhecida. Mas a taxa de mortalidade tem crescido, segundo a Organização Mundial da Saúde, aumentando a preocupação com a saúde renal.
No Brasil, esse cenário também é crítico. O Censo Brasileiro de Nefrologia de 2022 levantou dados alarmantes indicando um significativo aumento no número de pessoas que precisam de tratamento de diálise no Brasil. Em 2022, o país apresentou um total de 153.831 pacientes em diálise, marcando um crescimento de 57,6% ao longo da última década e um notável aumento de 182,1% no período de 2003 a 2022.
Esse aumento de pacientes em diálise é um reflexo da crescente presença de doenças renais na população, como a Doença Renal Crônica (DRC). Em 2020, Marcelo Mazza, presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), apontou que a DRC pode ser considerada uma epidemia, atingindo um a cada dez adultos. Esta é uma condição que impacta gradualmente no funcionamento dos rins ao longo do tempo, diminuindo a capacidade de filtração dos resíduos e excesso de fluidos do sangue. Diversas condições, como diabetes mellitus, hipertensão arterial e doenças autoimunes, podem ser causadoras da DRC, havendo uma prevalência das duas primeiras condições.
Esse cenário preocupante é agravado pelo estilo de vida da população. Diabetes e hipertensão são cada vez mais comuns e fortemente influenciados por questões de alimentação e exercícios físicos. O aumento da obesidade e o envelhecimento da população também contribuem com a incidência de doenças crônicas. Se essas condições não são tratadas adequadamente, a DRC pode se desenvolver como uma complicação, surgindo a demanda pelo tratamento de diálise.
Ainda, outro aspecto importante a ser considerado é o aprimoramento das técnicas de diagnóstico, possibilitando a identificação precoce de doenças renais. Isso também influencia em um aumento no número de pacientes que requerem tratamento de diálise. Além disso, campanhas de conscientização sobre a importância do diagnóstico precoce de problemas renais têm contribuído na busca por serviços de diálise, o que, por sua vez, eleva o número de pacientes que recebem diagnóstico.
Vale destacar que a DRC pode ser classificada em estágios que vão de um a cinco. No primeiro estágio, a função do rim ainda é considerada normal, mas lesões renais podem ser identificadas em exames de imagem. No estágio dois, os sintomas podem não ser ainda evidentes, mas a função renal começa a diminuir. Na terceira fase, a função já sofreu um comprometimento significativo e os sintomas podem se agravar. No estágio quatro, os sintomas já são mais pronunciados e a necessidade de intervenção se torna urgente. Já na fase mais avançada, a cinco, conhecida como fase terminal da insuficiência renal crônica, há uma demanda por um complexo de tratamentos que é chamado de Terapia Renal Substitutiva (TRS). Dentro desse conjunto de tratamentos, está a diálise, que possui algumas modalidades: hemodiálise, diálise peritoneal e hemodiafiltração.
Os tratamentos da DRC e o custo-benefício
A hemodiálise é a forma mais prevalente de tratamento, representando mais de 90% das terapias tanto no Sistema Único de Saúde (SUS) quanto em clínicas particulares. Nesse procedimento, o sangue do paciente é filtrado fora do corpo por uma máquina denominada dialisador. O sangue passa por um filtro que elimina resíduos e excesso de fluidos, como ureia e creatinina, proporcionando uma rápida melhoria nos sintomas, antes de ser reintroduzido no corpo do paciente. Em geral, a hemodiálise requer sessões regulares e vale ressaltar que no Brasil o tratamento em domicílio não é permitido, exigindo o deslocamento do paciente.
Enquanto isso, a diálise peritoneal (DP) representa uma alternativa mais flexível para tratar a insuficiência renal crônica, permitindo que o paciente realize o procedimento em casa. Nesse método, um fluido de diálise é introduzido no abdômen do paciente por meio de um cateter permanente. A membrana peritoneal no abdômen atua como um filtro natural, permitindo a remoção de resíduos e o excesso de fluidos. No Brasil, os tipos principais de diálise peritoneal incluem a DP ambulatorial contínua, que envolve quatro trocas diárias, podendo ser feita em casa. A DP automatizada, por outro lado, é frequentemente realizada durante a noite, também em ambiente domiciliar, com seis a sete trocas. Ainda, a DP automatizada tende a ter um impacto menor na pressão arterial do paciente, o que pode ser benéfico, especialmente para aqueles com problemas cardiovasculares.
Já a hemodiafiltração é uma técnica que combina elementos da hemodiálise e da filtração convencional, buscando aumentar a eficiência na remoção de toxinas do sangue. Nesse método, a remoção de substâncias e o excesso de fluidos ocorrem por meio de uma combinação de difusão e convecção. A hemodiafiltração é realizada em centros especializados e sua prescrição pode variar em frequência de acordo com as necessidades individuais do paciente. Nos últimos anos, o procedimento experimentou um aumento significativo no número de pacientes que a utilizam. Apesar das vantagens terapêuticas, essa modalidade demanda equipamentos mais especializados, podendo ser mais dispendiosa e apresentando disponibilidade limitada em algumas regiões.
Quanto ao custo-benefício dessas modalidades de diálise, não há um consenso absoluto. A maior parte dos estudos aponta que a hemodiálise apresenta um custo inferior, mas vale ressaltar que essas análises, em geral, não fazem uma reflexão que leva em consideração todos os aspectos de eficácia, qualidade e resultados clínicos. Esse tipo de abordagem segue a lógica atual do custo para o pagador, e não de uma discussão de saúde pautada em valor. Ainda, vale destacar que a frequência e a duração do tratamento de Terapia Renal Substitutiva podem variar segundo a prescrição médica, a condição clínica de cada paciente e outros fatores individuais.
Os desafios do Brasil e a NefroClínicas
Dado o cenário urgente que decorre no país, houve um aumento importante no número de centros de diálise nos últimos anos, mas o Censo Brasileiro de Nefrologia indica que o número de pacientes que precisam de diálise ainda é superior ao número de clínicas ativas. Outra questão latente no Brasil na saúde – que se reflete no contexto das doenças renais – diz respeito ao acesso e a distribuição desigual do atendimento nas regiões brasileiras. Há um desafio enorme para os pacientes que vivem em áreas mais afastadas dos grandes centros em conseguir acesso a tratamentos.
Nesse contexto, surge a NefroClínicas em 2019 com o objetivo de acompanhar toda a jornada do paciente renal crônico. A rede atende a mais de 60 operadoras de saúde, conta hoje com unidades distribuídas por Belo Horizonte, pelo Rio de Janeiro, Volta Redonda, Brasília, São Luís e Curitiba, realizando cerca de 90.000 tratamentos e mais de 25 mil consultas de prevenção anualmente. Em entrevista exclusiva para a Green Rock, os fundadores da NefroClínicas salientam que a saúde brasileira passa por um momento desafiador, agravado pela pandemia.
“No pós-Covid, com aumento de internações e procedimentos cirúrgicos, os planos de saúde passam por um momento de elevadas taxas de utilização e sinistralidade. Atualmente, a doença renal crônica afeta 10% da população brasileira. Mais de 150.000 pacientes são submetidos a procedimentos dialíticos todos os anos, no Brasil, segundo Censo 2022 da Sociedade Brasileira de Nefrologia. O modelo assistencial atual tem se mostrado ineficiente para lidar com os desafios que a condição impõe, gerando custos cada vez mais elevados e baixa percepção de valor pelos pacientes”.
A NefroClínicas também aponta que a DRC pode afetar homens e mulheres, “podendo variar por região, idade, estilo de vida e genética”. No entanto, também destaca diabetes e hipertensão como fatores de risco, de forma que hábitos ligados ao tabagismo, atividades físicas e alimentação também podem influenciar nessa condição.”Pessoas que fazem uso de medicamentos sem prescrição médica e possuem casos de doença renal na família, também devem estar atentos. Um simples exame de creatinina no sangue consegue detectar algum problema renal”.
A NefroClínicas também aponta que no Brasil a maioria das pessoas recebem um diagnóstico tardio, o que complica todo o processo. Em decorrência disso, os pacientes iniciam a Terapia Renal Substitutiva em caráter de urgência nas unidades hospitalares e sofrem com as complicações naturais de uma doença negligenciada, o que aumenta os custos do tratamento. “Após este momento complexo, dentro do universo hospitalar, os pacientes encontram dificuldades de acesso em todos os níveis de assistência ambulatorial para adequada continuidade de seu tratamento”, continua.
Nesse contexto, a NefroClínicas, que atende apenas saúde suplementar, tem como foco a ampla oferta de atendimento ambulatorial, um cuidado coordenado e atendimento nos principais hospitais, focando em uma gestão hospitalar eficiente.
Discussões em alta: desospitalização e saúde baseada em valor
Os fundadores também trazem o debate sobre a desospitalização como um ponto importante no contexto das doenças renais, ressaltando que ela reduz gastos e desperdício de recursos, favorecendo todo o sistema. “A assistência domiciliar pode ser de extrema utilidade. Muitos pacientes acabam por permanecer no ambiente hospitalar apenas pela necessidade de ainda realizar sessões de hemodiálise”, afirmam.
Nesse sentido, a NefroClínicas carrega um compromisso em torno desse aspecto. Os fundadores explicam que a rede tem um programa de desospitalização e assistência domiciliar que visa favorecer ao paciente uma assistência segura, propiciar um retorno efetivo às suas rotinas e maximizar sua recuperação.
Além disso, também é discutida a questão dos modelos de remuneração. Atualmente, o grande modelo vigente na saúde é o fee for service, de forma que uma mudança para uma saúde baseada em valor não é algo trivial. Mas na NefroClínicas os fundadores buscam assumir riscos para oferecer incentivos e reduzir o desperdício de recursos: “além do acompanhamento mensal de indicadores que fazemos, focar realmente nos desfechos é o que nos permite buscar o equilíbrio do sistema”. Nesse sentido, a NefroClínicas conta que a linha de cuidados e a gestão da Terapia Renal Substitutiva focada nos desfechos caminha na contramão do que existe hoje.
“Na NefroClínicas já praticamos modelos de remuneração baseados em valor há mais de quatro anos, em que a remuneração se dá pelo acompanhamento integral do paciente e está vinculada a indicadores de desfechos clínicos, garantindo que tudo o que for necessário será feito pelo paciente. Temos um ‘case’ onde mais de 1,6 milhão de beneficiários têm à sua disposição tratamentos efetivamente baseados em valor, quando acometidos de doença renal”, acrescentam.
A importância da prevenção
Outro ponto importante destacado pela NefroClínicas é a centralidade da prevenção no cenário das doenças crônicas. “O modelo da NefroClínicas é de um cuidado coordenado, tem como premissa reduzir diálise e quando necessário escolher o método que promova melhores desfechos”. Com essa proposta, de acordo com eles, a rede já cobre 1,6 milhões de vidas e gera muita redução de sinistro.
A NefroClínicas também ressalta a relevância de ações e campanhas que visem a conscientização da população, em conjunto com as sociedades médicas e entidades da sociedade civil. “Acreditamos que a educação é um braço importante e robusto. Pacientes acompanhados por nós apresentam taxas significativamente maiores de desaceleração da DRC do que os pacientes não gerenciados. O Nefroacademy é um dos braços de capacitação e educação continuada do grupo NefroClínicas e leva atualização de qualidade para médicos. Até o momento, mais de 20 eventos foram realizados, impactando um público de mais de 1.500 profissionais de saúde”, acrescentam.
Próximos passos da NefroClínicas
Quanto ao futuro da rede, a NefroClínicas está atualmente ampliando as parcerias com operadoras de saúde e já tem alguns modelos baseados em valor que tem proporcionado eficiência ao setor e redução de sinistralidade. Ainda, os fundadores também contam que tem sido feito um forte investimento em capacitação da equipe.
“Novas unidades e novos hospitais estão em nosso radar, em diversas regiões do país para os próximos anos. Além disso, estamos incorporando ferramentas de inteligência artificial para navegação e gerenciamento dos pacientes, garantindo ao nosso público cuidado contínuo e oportuno”, finalizam.