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O mercado de saúde ocupacional é “boring”? Não para o fundador da Welbe

Eduardo Medeiros conta como a healthtech Welbe surgiu e se consolidou no mercado de saúde ocupacional no México.

Paola Costa
6 minutos

A saúde ocupacional, por definição, é um ramo da medicina e também um setor obrigatório nas empresas, atuando na prevenção de problemas ligados ao trabalho e doenças. É nesse meio que a Welbe, healthtech mexicana criada pelo empreendedor brasileiro Eduardo Medeiros, começou a atuar e prosperar.

Investida pela Green Rock em 2022, a Welbe se propõe a revolucionar o ecossistema de saúde mexicano, sendo o primeiro a integrar laboratórios, médicos, empresas e usuários, unificando as informações de saúde. Em entrevista exclusiva, Eduardo Medeiros conta sobre a trajetória da Welbe, a oportunidade da saúde ocupacional no México e como enxerga as particularidades do mercado brasileiro.

Com mais de 16 anos de experiência no mercado digital, Eduardo conta que, apesar das formações em Engenharia Química e Ambiental, nunca atuou na área. O empreendedor compartilha que nasceu e cresceu no mercado de startups. Depois de muitos anos ele foi para o meio corporativo, já no México, onde ele mora há uma década.

Ao longo desse período no país, Eduardo compartilha que sempre enxergou algumas demandas latentes: “Dos 10 anos que eu estou no México, 8 anos foram olhando e vivenciando essas necessidades locais na saúde, quanto a benefícios, os colaboradores, etc. O seguro de saúde tem uma coparticipação muito elevada. Então sempre foi algo que me incomodou, mas eu não tinha olhado ainda como uma oportunidade de negócio”.

O momento de inflexão que o levou a enxergar a oportunidade de mercado explorada atualmente pela Welbe se deu com o início da pandemia, enquanto Eduardo trabalhava em um grande conglomerado mexicano. A empresa contava com multinegócios que tiveram que se adaptar a realidade da pandemia. Contudo, após alguns meses, houve uma necessidade de reabertura das operações, o que levou a uma questão latente: como identificar aqueles colaboradores que estavam dentro dos grupos de risco indicados pela OMS.

“Não existia um dashboard que nos desse um respaldo a respeito de quantos funcionários faziam parte dos grupos de risco. Em uma empresa distribuída a nível nacional, não tínhamos ideia. Então eu fiz um questionário com os colaboradores. Para minha surpresa, 94% da população falou que estava dentro desses grupos, porque claramente todos estavam em pânico com a pandemia”, relata Eduardo.

Nesse sentido, Eduardo afirma que eles entenderam que precisariam desenvolver um check-up e capturar esses dados. A partir de alguns recortes como idade e grupos de colaboradores que moravam com idosos, entre outros pontos, a empresa chegou a um total de 13 mil vidas, dentro das quais apenas 4% realmente faziam parte dos grupos de risco. A captura dessas informações levantou mais um problema: como compilar todas essas páginas de PDF em dados? “Tivemos que colocar médicos ocupacionais para analisar e catalogar isso à mão. Quando olhei para essa situação, dentro da minha ótica de digitalização, enxerguei a oportunidade”, conta.

Eduardo afirma ainda que existe muito dinheiro em torno da saúde ocupacional, só que ele é mal distribuído. Vale ressaltar que as empresas são obrigadas a gastar esse dinheiro com exames periódicos, de ingresso e demissionais. “Dependendo da posição, os valores gastos superam 2 mil dólares ao ano. Na média temos um gasto entre exames, laudos, relatórios de saúde mental e outros acima de 150 dólares por colaborador ao ano. No caso de um soldador, por exemplo, o médico precisa ver o descolamento de retina, o pulmão do trabalhador, se ele não tem problemas no sangue, etc”.

No entanto, Eduardo indica que esse gasto é pouco otimizado. “Foi aí que eu pensei: vamos criar um ecossistema que ajude a esse médico ocupacional com um software e vamos integrar tudo; mas, além disso, vamos pegar esse dinheiro dos ‘exames obrigatórios anuais’ e colocar isso como um benefício. É o mesmo dinheiro que já era gasto, só que retrabalhado e proporcionando uma economia de custos no final”, explica o empreendedor.

Hoje, a Welbe se consolida no mercado como uma plataforma na qual as organizações que aderem tem acesso a uma gama de serviços. Eles vão desde check-ups, exames laboratoriais, serviços telemedicina, consultas, entre outros, com o intuito garantir acesso à saúde preventiva aos trabalhadores no México. Eduardo comenta ainda que “a saúde ocupacional é vista como um negócio ‘boring’ por muitos, só que nós estamos proporcionando esse ‘saving costs’ para o RH da empresa e geramos benefícios para quem não tinha nada”.

O mercado mexicano e os dados de saúde como oportunidade

Quanto o mercado mexicano, o fundador da Welbe destaca alguns pontos que revelam o potencial do país: o México tem a segunda maior industrialização da América Latina; o mercado mexicano tem uma demanda crescente sobre a saúde ocupacional; e, ainda, chegam empresas multinacionais com exigências sobre ESG, o que a Welbe responde bem, uma vez que a empresa gera benefícios e impacto social, ajudando a desafogar parte da demanda sobre o governo.

Eduardo ressalta mais um ponto que a healthtech consegue aproveitar: o acúmulo de dados, os quais se tornam informações valiosas para outros mercados. Segundo o empreendedor, o mercado segurador mexicano, por exemplo, não cresce há mais de 15 anos, o que se deve ao fato de que ele só atende uma população mais abastada.“Esse mercado só atende o topo da pirâmide. É como um mercado de luxo, a única forma para ele crescer é subindo o preço”.

No entanto, Eduardo indica que, com uma base de dados consistente, isso pode mudar. “Nós conseguimos dar visibilidade para que esse mercado faça aderência de uma nova camada. Conseguimos provar que ele não precisa cobrar tanto e que não vai haver uma explosão de sinistro, pois nós temos os dados de saúde daquele funcionário. Pode haver um ganho nesse mercado, por isso estamos em negociação com várias seguradoras”, conta.

O mercado latino-americano e o caso Brasil

Quanto ao restante da América Latina, Eduardo pontua que “as dores do ocupacional são semelhantes daqui do México até o Uruguai”. De acordo com o empreendedor, em média, os países da América Latina têm 37 normativas de saúde ocupacional e funcionam de maneira similar – seguros com coparticipação, regulações parecidas, saúde pública ineficiente, acessibilidade baixa.

Nesse sentido, ele acredita que o produto oferecido pela Welbe tem permeabilidade em todos esses mercados como um todo, mas ressalta que o foco principal da empresa ainda é o México pelo menos pelos próximos três anos. Por fim, ele ressalta que, dentre as similaridades entre os países, o Brasil é o caso mais singular.

“A saúde ocupacional também é vista como algo ‘boring’ no Brasil por ser um mercado muito sangrado, com margem baixa. No Brasil, normalmente as empresas oferecem planos de saúde, mas esse mercado está mudando e começando a inserir a famosa coparticipação, como ocorre no México. O que vai acontecer depois que os planos aplicarem coparticipação? O mercado deles vai enxugar. Só que parece haver uma preferência por essa redução, para diminuir a sinistralidade e haver um maior ganho. No entanto, o que o mercado brasileiro não se deu conta é que se ele investir na saúde ocupacional como um “doutor de família”, ele reduz a sinistralidade na fonte. A nossa visão para o mercado brasileiro é levar esse conceito, por isso achamos que esse é o mercado mais difícil”.