Insights

Sandbox Regulatório na Saúde: o que esperar para 2025

O novo sandbox da saúde suplementar e os desdobramentos esperados, segundo o advogado Rogério Scarabel

Letícia Maia

Neste início de fevereiro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovou o edital para colocar em prática um sandbox regulatório no setor de saúde suplementar.

Ou seja, para 2025, uma das maiores expectativas do setor de saúde deve estar centrada na proposta de um ambiente regulatório experimental para testar novos modelos de plano de saúde, com foco exclusivo em consultas eletivas e exames.

Estruturada a partir da regulamentação presente na Resolução Normativa 621, divulgada em dezembro de 2024 pela agência, a ideia é que esses novos modelos ajudem a suprir a baixa oferta de planos de saúde individuais e familiares – segundo a ANS, das 27 unidades federativas, essas modalidades representam menos de 10% dos planos aderidos em 24 delas.

“A iniciativa busca ampliar o acesso dos brasileiros aos planos de saúde, reduzindo a demanda reprimida e promovendo a diversificação dos produtos oferecidos. Além de aumentar a oferta de planos, a proposta pode atrair um público mais jovem, que tem se afastado do setor devido aos altos custos das coberturas tradicionais”, explica Rogério Scarabel, advogado especialista no setor de Saúde e antigo diretor presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e sócio da M3BS Advogados.

Ainda no que se refere aos jovens, a expectativa é que cerca de 10 milhões de novos beneficiários dessa faixa etária sejam incluídos através desse projeto-piloto. A título de exemplo, em 2023, os dados da ANS apontavam para uma queda de:

  • 11% no número de beneficiários de 15 a 19 anos;
  • 17% na faixa de 20 a 24 anos;
  • e 18% entre os de 25 a 29 anos.

Por isso, Scarabel reitera que “a entrada desse novo grupo não apenas fortaleceria o equilíbrio do setor, como também poderia gerar maior adesão a práticas preventivas, promovendo hábitos de saúde mais consistentes desde cedo e reduzindo a necessidade de tratamentos mais complexos no futuro”, completou.

Embora o foco esteja nos planos individuais e familiares, a ANS também autorizou planos coletivos por adesão, mas com as seguintes condições:

  • com carência;
  • sem portabilidade;
  • acesso hierarquizado;
  • com modelo de coparticipação restrito a 30%;
  • e bônus para beneficiários com maior tempo de permanência, para aqueles que integrarem linhas de cuidado e para os que permitirem a integração de dados com o SUS.

Sandbox no Brasil

No Brasil, os ambientes regulatórios experimentais ainda estão em estágio embrionário e os órgãos reguladores de cada setor são responsáveis por estruturar suas respectivas áreas de teste.

Por exemplo, enquanto em julho de 2024 a Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) publicava o edital da 3ª edição de sandbox para seguros privados, o setor de saúde ainda tentava alcançar um consenso sobre o que deveria estar na regulamentação.

Assim, em dezembro de 2024, a ANS divulgou a primeira resolução normativa onde se estabeleciam regras para o sandbox no setor de saúde suplementar, além de esclarecer os principais objetivos.

No documento, destaca-se que a regulamentação permite às pessoas jurídicas testar novos serviços, produtos ou tecnologias pensadas especialmente para atender às demandas da saúde suplementar.

Ademais, a nova norma também enfatiza outros objetivos, como:

  • “diminuir os custos e o tempo de maturação para desenvolver serviços, produtos, tecnologias ou soluções regulatórias no âmbito da saúde suplementar;
  • aprimorar o arcabouço regulatório vigente na ANS;
  • promover a competição e reduzir as barreiras de entrada no setor de saúde suplementar.”

Na prática, a ANS flexibiliza as normas, permitindo então que novas soluções de saúde sejam desenvolvidas e testadas ao longo de dois anos. Após esse período, se o projeto apresentar os resultados esperados e obtiver aprovação para continuidade, as operadoras podem escolher se o produto será encerrado ou inserido no mercado. Na situação em que o plano é descontinuado, os beneficiários terão direito à portabilidade para outra operadora, uma medida que reduz possíveis riscos para os usuários.

Ademais, o surgimento de novos produtos deve estimular a inovação e uma maior competição entre as operadoras – em especial, nas regiões onde a cobertura e os serviços não são eficientes e acessíveis o suficiente.

Os desafios do sandbox na saúde

Embora as possibilidades e regras estejam começando a ganhar forma, ainda existem desafios.

Na visão de Scarabel, “a possibilidade de portabilidade dos beneficiários para o novo plano pode estimular a saída dos planos empresariais, com forte redução de receitas para os prestadores (como hospitais e clínicas) e fornecedores (como farmacêuticas e a indústria de dispositivos médicos)”, aponta o especialista.

Entre outros riscos, os limites de cobertura podem causar confusão, insatisfação e até aumento da judicialização do setor, a depender da forma como ocorrer a comercialização. Nesse sentido, o novo modelo de plano de saúde exclui assistências nas áreas de oncologia, diálise e TEA (Transtorno do Espectro Autista). Entretanto, é visto como uma opção melhor do que os cartões de desconto e os exames ofertados no SUS (Sistema Único de Saúde).

Ademais, há ainda uma ressalva quanto aos planos coletivos, visto que “a exigência de que os planos sejam coletivos por adesão pode dificultar a contratação para indivíduos que não fazem parte de entidades de classe ou associações. Nesse ponto, a proposta não ataca a causa indicada da barreira à comercialização”, diz Rogério Scarabel. 

Por fim, para que os objetivos do ambiente regulatório experimental sejam alcançados, a expectativa é que a ANS fortaleça ainda mais a regulamentação, além de acompanhar de perto os resultados e estar preparada para realizar ajustes conforme novas necessidades surgirem. Tudo isso deve ser feito com a ajuda de consultas e audiências públicas.

“Os documentos ainda não foram disponibilizados, mas é certo que o sucesso do sandbox dependerá de uma regulamentação clara e de uma análise criteriosa dos resultados após o período de teste. Se bem implementada, a proposta pode trazer benefícios significativos ao mercado, democratizando o acesso aos planos de saúde e promovendo um modelo mais sustentável”, concluiu o advogado. 

Uma consulta pública sobre o tema estará aberta do dia 18/02 a 04/04 e uma audiência pública também abordará tais tópicos, no dia 25/02.

Mas de onde surgiu o sandbox regulatório?

Ideias disruptivas são tentadoras. No entanto, quando se trata de saúde e dinheiro, é necessário cautela. Afinal, será que todas as inovações são, de fato, boas? Será que elas sempre se convertem em melhores resultados clínicos para os pacientes? Elas realmente ajudam operadoras e prestadoras de serviço a reduzir seus custos ou otimizam processos burocráticos?

A necessidade de responder a tais perguntas deu vida ao sandbox regulatório – ou simplesmente ambiente regulatório experimental, em português. Utilizado em diversos setores, como tecnologia da informação, transportes, finanças e saúde, essa ‘caixa de areia’ se refere a um ambiente seguro e afastado das regras vigentes, condições que permitem testar e validar projetos de alta complexidade.

Sandbox é a palavra em inglês que traduz “caixa de areia” e remete à ideia de crianças brincando em um ambiente supervisionado e controlado, no qual é possível experimentar diferentes formas de recreação.

Desenvolvido no Reino Unido, em 2016, os ambientes regulatórios experimentais foram, a princípio, estruturados para atender às demandas das fintechs, que precisavam validar novas tecnologias financeiras. Desde então, diversos países seguiram o exemplo: Brasil, Canadá, Cingapura, Austrália e Estados Unidos são alguns deles.

Em 2020, um relatório do World Bank Group indicava que 57 países já tinham aderido ao modelo, levando à existência de 73 projetos regulatórios experimentais ao redor do mundo naquele período.

Logo, de lá para cá, várias “caixas de areia” já foram estruturadas para validar inovações. Mesmo assim, no setor de saúde brasileiro, os espaços para experimentação ainda estão mais no campo das ideias do que no mundo real. Com as últimas movimentações da ANS, os ambientes regulatórios experimentais na saúde começam a ganhar condições seguras, o que ajudará a consolidar esses ambientes.