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Saúde Masculina: do pediatra ao urologista, os esforços para tornar a saúde do homem mais preventiva

Conversamos com Daniel Zylbersztejn e Eduardo Miranda, integrantes da Sociedade Brasileira de Urologia, sobre cultura, prevenção e o futuro da saúde dos homens

Letícia Maia

O período da puberdade é um elemento-chave na saúde humana. Além de todas as mudanças que ocorrem no corpo, essa fase influencia diretamente a relação das pessoas com os cuidados de saúde.

Para as mulheres, a chegada da menarca (primeira menstruação) geralmente marca a transição das consultas com pediatras para um acompanhamento com ginecologistas. Em contraste, nos homens, a ausência de um evento de transição marcante não estimula o senso de autocuidado frequente com a própria saúde.

De acordo com estatísticas da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), as meninas frequentam consultórios médicos 2,5 vezes mais do que os meninos. Culturalmente, essa falta de estímulo ao acompanhamento médico durante a adolescência acaba prejudicando o público masculino no longo prazo. Como resultado, o panorama da saúde masculina apresenta características específicas, como o diagnóstico de doenças em estágios mais avançados.

Como destaca Daniel Zylbersztejn, médico urologista do Hospital Israelita Albert Einstein, especializado em infertilidade e coordenador de Urologia do Adolescente da SBU, além de coordenador do Fleury Fertilidade: “O homem ainda é muito reativo em relação aos cuidados com a saúde.”

E Zylbersztejn continua afirmando que “geralmente, ele só busca ajuda quando enfrenta um problema. Não há uma cultura de prevenção regular, embora campanhas como o Novembro Azul tragam um aumento temporário na conscientização. Nessas ocasiões, o homem pode acabar procurando um urologista, que, idealmente, deve olhar além do câncer de próstata e avaliar a saúde de forma mais ampla.”

Como consequência de um hábito pouco incentivado na juventude, no Brasil, 62% dos homens só vão ao médico quando um sintoma se torna insuportável, segundo dados do Instituto Lado a Lado pela Vida.

Além disso, em situações não urgentes, 70% dos homens só procuram assistência médica por pressão de suas esposas ou filhos, conforme apuração do Centro de Referência em Saúde do Homem de São Paulo.

Esse cenário tem impulsionado uma nova estratégia: colocar os urologistas no mesmo patamar de relevância que os ginecologistas têm na saúde das mulheres.

O início da jornada do homem no sistema de saúde

No mundo ideal, quem acompanharia a maioria dos garotos durante a adolescência, garantindo que eles não perdessem o hábito de ir ao médico, seria o hebiatra — um pediatra especializado em adolescência. No entanto, o Brasil conta com apenas 200 desses profissionais, segundo apuração do jornal Estado de Minas.

A baixa popularidade desses especialistas impacta especialmente o público masculino. “Diferente das mulheres, que começam a frequentar o ginecologista desde jovens, os homens deixam o pediatra e ficam 'soltos'”, afirma Eduardo Miranda, médico urologista e coordenador da Disciplina de Medicina Sexual da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

Com isso em mente, há seis anos a SBU realiza a campanha #VemProUro, que busca orientar adolescentes sobre temas como sexualidade, drogas e contracepção.

Da adolescência para a vida adulta

De volta à importância de pensar na saúde do público masculino jovem, existem condições que poderiam ser evitadas. Por exemplo, já ouviu falar da varicocele? É a principal causa da infertilidade masculina.  

Também conhecido como “varizes do testículo”, a condição refere-se à dilatação anormal das veias testiculares. Em geral, surge na adolescência e pode ser tratada. No entanto, com a baixa frequência dos garotos aos consultórios, muitos acabam sendo afetados com dores e infertilidade– estima-se que a cada 100 homens, pelo menos 20 vão ter desafios com a infertilidade. Comumente resolvida com cirurgia, alguns casos de varicocele podem ser tratados de forma não-invasiva, principalmente se descoberto precocemente e acompanhado com regularidade.  

Junto a isso, a SBU aponta que de 2019 a junho de 2024, a varicocele foi o motivo de mais de 6 mil consultas e 13 mil internações no Sistema Único de Saúde (SUS). 

Entre outras questões que poderiam ser resolvidas com um acompanhamento mais rigoroso desde a adolescência, há ainda temas como orientações de uso de preservativos contra gravidez indesejada e infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). 

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – publicados em 2022, mas referentes aos anos de 2009 a 2019 –, 62,8% dos meninos em idade escolar não usaram preservativo na última relação sexual. 

Nesse sentido, além do risco de adquirir outras ISTs comuns, a preocupação aumenta quando consideramos que a vacinação contra o HPV (Papilomavírus Humano) conseguiu cobrir apenas 36% dos garotos de 9 a 14 anos, de acordo com o Instituto Butantan. Apesar dos riscos em comum para ambos os gêneros, existem mais de 100 tipos de infecções por HPV, sendo 14 delas com potencial cancerígeno. 

Nesse aspecto, homens são mais suscetíveis a terem infecções recorrentes e ter o quadro progredindo para um câncer, pois sem a vacina o organismo masculino possui somente 8% de chance de produzir anticorpos contra o vírus, conforme apontado por um estudo publicado na revista Papilomavirus Research. Por outro lado, com a vacinação é possível manter uma produção de anticorpos por mais de 10 anos. 

A saúde do homem adulto

Porém, o que acontece com os homens adultos que já possuem hábitos nocivos bem estabelecidos? 

Nesses casos, é necessário um trabalho em conjunto com as demais especialidades. Como Daniel Zylbersztejn coloca: “por ser reativo, o homem procura o médico relacionado ao problema específico. Por exemplo, com dor lombar, ele busca um ortopedista. No entanto, muitos desses especialistas não estão preparados para perceber a necessidade de exames preventivos, como avaliação da glicemia ou pressão arterial, então essa é uma oportunidade para os médicos orientarem e encaminharem o paciente para exames gerais”. 

Junto a isso, a forma mais prática de melhorar o panorama da saúde masculina é através da soma de esforços. Além da possibilidade de passar com clínicos gerais e médicos da família, a urologia agora quer ampliar seu papel. 

“O urologista deve ampliar sua visão, assim como os ginecologistas fazem com as mulheres, e atuar como o médico de referência para a saúde masculina. Isso inclui avaliar aspectos metabólicos, cardiovasculares, hormonais e até mesmo encaminhar para outros especialistas quando necessário. A visão global é fundamental, especialmente em uma sociedade onde o homem não desenvolveu uma cultura de cuidado preventivo desde cedo”, defende Zylbersztejn.

Cultura e diagnósticos

No que se refere ao panorama da saúde masculina, “houve uma mudança, com o envelhecimento populacional”, afirma Eduardo Miranda. “Hoje, câncer e doenças cardiovasculares são as principais causas de morte, com o câncer se tornando cada vez mais presente, especialmente entre os homens”, completou. 

Miranda ressalta ainda que “a campanha Novembro Azul, que começou como prevenção ao câncer de próstata, agora também enfatiza a saúde do homem. Para homens mais jovens, questões como diabetes, hipertensão, colesterol e saúde sexual são mais preocupantes”. Um retrato disso é a expectativa de vida dos homens, que atualmente é 7,2 anos menor do que a das mulheres, segundo o Ministério da Saúde. 

Nesse sentido, nem sempre se trata apenas de obter um diagnóstico. Isso porque, embora cada pessoa reaja de forma única, “os homens tendem a minimizar problemas de saúde, ignorando sinais até ser tarde. Eu trabalho muito com disfunções sexuais e vejo que muitos homens preferem fingir que está tudo bem por vergonha. Eles focam em suas responsabilidades e se colocam em segundo plano, o que dificulta reconhecer um problema”, aponta Eduardo. 

A questão vai de encontro ao grande tabu da saúde masculina: o exame de toque retal. Embora dure cerca de 8 segundos, muitos homens ainda evitam ir ao consultório com receio e vergonha do exame. 

Mas, a boa notícia é que, na visão de Daniel Zylbersztejn, “a aceitação tem melhorado com o aumento da conscientização. Muitos homens entendem que o exame é essencial, especialmente porque há tipos de câncer de próstata que não são detectados pelo PSA (Antígeno Prostático Específico). O toque retal é rápido e pode ser determinante para identificar alterações precoces”, reitera o coordenador do Fleury Fertilidade.

O futuro da saúde masculina

Para o futuro, o que precisa ser feito é muito trabalho com foco em conscientização. Através dela, seria possível alcançar uma segunda meta dos urologistas: tornar a especialidade mais consultiva e menos dependente de cirurgias. “Isso exige que os urologistas tenham um olhar mais abrangente sobre a saúde do homem, acompanhando tendências como tratamentos menos invasivos e avanços na medicina personalizada”, completa Daniel. 

Embora essa amplitude de análise esteja, teoricamente, designada aos clínicos gerais, hebiatras e médicos da família, os especialistas no órgão reprodutivo de cada gênero abraçam cada dia mais essa responsabilidade adicional. Não é o ideal, mas na ginecologia isso tem sido feito há muitos anos. Agora, a urologia segue o exemplo e caminha para tornar-se a especialidade médica ‘oficial’ dos homens.

Nesse sentido, a campanha “Novembro Azul”, oficialmente integrada ao calendário brasileiro em 2011, graças aos esforços do Instituto Lado a Lado pela Vida, têm incentivado o público masculino a pensar em sua saúde como um todo. Dessa forma, o comportamento do homem brasileiro em relação à saúde têm apresentado melhoras – embora ainda longe do ideal.

A título de exemplo, vale considerarmos alguns dados. De acordo com a análise do YahooFinance, o mercado de saúde do homem movimenta cerca de U$1,27 trilhão e deve atingir os U$2,57 trilhões até 2029. Trata-se de um crescimento anual de 12,44%, um cenário influenciado pela pandemia de Covid-19 e seus efeitos quanto à consciência com a própria saúde. 

Por fim, entre outros fatores de influência, é possível citarmos ainda a ascensão dos dispositivos de monitoramento de saúde – como smartphones, smartwatches e smartrings –, bem como a ampliação dos serviços de telemedicina, aumento da procura por suplementos e outros produtos associados à nutrição, além das redes sociais.