De acordo com o estudo Demografia Médica no Brasil 2023, realizado a partir de uma parceria entre a Associação Médica Brasileira e a Faculdade de Medicina da USP, em 2022 o Brasil registrou 389 faculdades de medicina, oferecendo 41.805 vagas de graduação. Ainda, vale destacar que mais de 50% dessas vagas abriram a partir de 2013, evidenciando um crescimento acelerado nos últimos dez anos.
Além disso, o estudo ressalta que uma das características mais marcantes dessa expansão foi a abertura de vagas no setor privado: de 2003 para 2022, as novas vagas de graduação em Medicina em instituições públicas tiveram um aumento de 64%, enquanto que no âmbito privado houve um crescimento de 358%. No Sudeste, por exemplo, região de maior concentração das vagas de graduação em Medicina no país, somente 16,6% são de faculdades públicas.
Apesar disso, um estudo de 2021 do CFM (Conselho Federal de Medicina) indica que apenas 20% das faculdades estão localizadas em municípios que atendem aos critérios ideais, os quais, segundo as portarias nº2/2013 e 13/2013 do Ministério da Educação, correspondem a: existência de um hospital com um mínimo de 100 leitos disponibilizados para o curso; um hospital de ensino; cinco ou mais leitos públicos por aluno; e um número máximo de três estudantes a cada equipe de saúde.
Ainda, quando são avaliadas as escolas surgidas entre 2011 e 2021, esse percentual sofre uma queda e vai para 10%. Isso se dá porque esses pré-requisitos foram flexibilizados, possibilitando o aumento da abertura de novos cursos. O CFM indicou, por exemplo, em 2021, a existência de 116 hospitais de ensino distribuídos irregularmente pelo Brasil. Mais da metade das faculdades estão em municípios que não possuem esses hospitais.
A distribuição de médicos pelo Brasil
Um reflexo do aumento do número de vagas é o aumento de médicos no Brasil. O estudo Demografia Médica no Brasil 2023 indicou que mais de 250 mil novos médicos ingressaram no mercado de trabalho brasileiro entre 2010 e 2023. Em 2000, o Brasil registrou 239.110 médicos. Esse número mais que dobrou até 2023, contabilizando um total de 562.229 médicos em janeiro. Isso corresponde a um índice nacional de 2,6 médicos a cada 1.000 habitantes.
No entanto, esse índice nacional corresponde a uma média, a qual difere em cada região. No Norte há um registro de 1,45 médico por 1.000 habitantes, enquanto que no Nordeste esse índice é de 1,93. Nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Sul, os índices são, respectivamente, de 3,39, 3,10 e 2,95 médicos a cada 1.000 habitantes.
Do ponto de vista dos estados do Brasil, aqueles com maiores densidades são o Distrito Federal (5,53), Rio de Janeiro (3,77) e São Paulo (3,50), enquanto que as menores estão no Pará (1,18), Maranhão (1,22) e Amazonas (1,36). Vale destacar também a concentração de médicos nas capitais brasileiras, com uma correspondência de 6,13 profissionais a cada 1.000 habitantes.
Contexto da especialização médica no Brasil
Em relação ao cenário das especializações, segundo o estudo realizado pela parceria da Associação Médica Brasileira com a Faculdade de Medicina da USP, o número de registros médicos com título em alguma especialidade aumentou 84% nos últimos dez anos. Em 2022, o Brasil registrou que 62,5% dos médicos em atividade eram especialistas. Segundo o estudo, esse dado representa a ampliação da residência médica no Brasil.
Além disso, o estudo indica que a lacuna entre o número de egressos e as vagas de residência médica aumentou, uma vez que essa defasagem foi de 3.866 vagas para 11.770 de 2018 para 2021. Mediante o cenário do crescimento do número de cursos de medicina no Brasil, espera-se que essa lacuna aumente ainda mais se o ritmo da expansão de vagas de residência médica não acompanhar esse movimento.
No entanto, deve-se destacar a questão da distribuição desigual pelo Brasil. Em torno de 46% das instituições de residência médica estão na região Sudeste. Ainda, 33,3% dos residentes estão concentrados em São Paulo. Esse percentual é seguido por Minas Gerais com 11,1%, Rio de Janeiro com 10% e Rio Grande do Sul com 7,1%.
Ressalta-se que as especialidades com os maiores números de médicos, representando 55,6% do total de especialistas registrados, são: Clínica Médica (56.979), Pediatria (48.654), Cirurgia Geral (41.547), Ginecologia e Obstetrícia (37.327), Anestesiologia (29.358) e Ortopedia e Traumatologia (20.972), Medicina do Trabalho (20.804) e Cardiologia (20.324). Outro dado relevante é que, dentro do total das 55 especialidades que existem no Brasil, apenas 13 representam 70% dos registros de médicos especialistas.
Além disso, quanto à Força de Trabalho Cirúrgica, o que enquadra obstetras, anestesiologistas e cirurgiões, o estudo destaca que o Brasil possui um índice de 66 especialistas a cada 100.000 habitantes, o que representa uma razão superior ao triplo do ideal recomendado pela Lancet Commission On Global Surgery. No entanto, a distribuição desigual ao longo do Brasil também é refletida nessa densidade. Por exemplo, enquanto o Distrito Federal apresenta 151,5 especialistas por 100.000 habitantes, no Maranhão esse índice cai para 26,7.
Reforma curricular, alto nível de atualização e inteligência artificial
A educação médica brasileira passa por alguns desafios mais comuns já comentados acima – como a falta de estrutura em concomitância à expansão dos cursos de graduação, a lacuna das vagas de residência e a distribuição desigual de médicos e especialistas pelo Brasil -, mas também abrange outras discussões, como a reforma curricular, o alto nível de atualização e o surgimento de novas tecnologias como o ChatGPT.
No âmbito do avanço da educação médica, a discussão sobre as mudanças no modelo de ensino e na formação do profissional de saúde cresceu. Assim, a instituição do programa Mais Médicos em 2013 previu também a atualização dos currículos dos cursos de Medicina, conforme foi orientado nas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. O programa fez uma previsão de que as instituições aderissem a reforma entre 2014 e 2018, mas as mudanças implicam na elevação de custos com mais professores e ambientes, sendo um processo difícil que ainda não foi concretizado pela totalidade das universidades.
Além disso, quanto ao alto nível de atualização do profissional médico, um artigo do médico Peter Densen estimou alguns dados relevantes. De acordo com o médico, o conhecimento dobrava a cada 50 anos em 1950. Em 1980, isso ocorria a cada 7 anos. Em 2010, a cada 3 anos e meio. Por fim, ele estimou que em 2020 isso ocorreria a cada 0,2 anos – ou seja, em 73 dias. Nesse sentido, entende-se que o conhecimento vem se expandindo mais rapidamente que a capacidade de assimilação e aplicação, seja na educação, no atendimento de um paciente ou na pesquisa.
Por fim, a repercussão em torno de tecnologias de inteligência artificial generativa, tais como o ChatGPT e o Med-Palm2 – modelo de linguagem da Google desenvolvido para médicos -, não pode ser ignorada. Questiona-se como essas ferramentas poderão influenciar na educação médica e nesse desafio da atualização constante do conhecimento da Medicina. Ainda não há uma resposta definitiva, mas uma pesquisa de 2021 feita em 18 universidades canadenses indicou que 78,7% dos entrevistados entendem que a inteligência artificial vai impactar suas carreiras. Ainda, todos eles acreditam ser necessária a inclusão de disciplinas na matriz curricular que abordem os princípios mais básicos dessas tecnologias.